TEU MILAGRE
JB Xavier
Sei de tuas lágrimas,
De teus esforços para vencer...
Sei dos teus silêncios,
Das tuas dúvidas,
Dos teus medos,
E do quanto te esforças
Para manter tua integridade...
Sei dos teus planos,
Dos teus desenganos,
Sei das tuas intenções,
De tuas promessas,
Sei da pressão em que vives,
E do quanto te empenhas
Para manter tua dignidade...
Sei das tuas noites de angústia,
Das horas em que esperas pelo filho
Que não chega...
Sei dos amores
Com os quais te frustraste...
Sei da infância distante
Da qual te lembras com saudades...
Sei de teus adiamentos,
Das tuas esperanças,
Dos teus planos para o futuro...
Sei do esforço que tens feito
Para ser feliz!
Sei também do desânimo
Que volta e meia te abate...
Sei das manhãs geladas,
Em que acordas antes do sol
Para ir a um trabalho
Que não te satisfaz...
Sei do beijo de saudade
Que depositas na fronte do filho
Ainda dormindo,
Quando te vais...
Sei do amigo que te traiu...
E dos tantos outros
Que te abandonaram...
Sei da solidão em que vives...
Sei como te sentes só,
Mesmo entre a multidão...
Sei da mão amiga que não vem
Para soerguer-te...
Sei do teu esposo,
Que se transformou em alguém
Que já não reconheces...
Sei de tua esposa,
Que já não tem para ti
O mesmo encanto...
Sei do acalanto
Que já não ouves...
Sei também do teus olhares tristonhos
Quando lembras do quanto te desviaste
Dos teus antigos sonhos...
Sei de tuas intenções de recomeços...
Sei dos teus tropeços,
Do teu medo interior,
Sei dos teus braços sentindo falta
De abraçar o amor...
Sei das quantas vezes
Estiveste prestes a desistir...
Sei do teu insistir,
E das vezes em que oras
Na mais negra melancolia...
Sei dos teus pedidos silenciosos
De socorro,
Do desespero de tuas horas estéreis,
De tua vida sem sentido...
Sei do teu grito
Contido na revolta silenciosa
Por veres tanta injustiça pelo mundo...
Sei o quanto te comoves
Ao ver na esquina
A criança desamparada
E sei do que farias,
Se te fosse dada uma oportunidade...
Tenho acompanhado tua vida com atenção,
E tenho tentado te ajudar...
Não apenas te dando o que me pedes...
Mas, como o que me pedes
Quase nunca é o que necessitas,
Dou-te em triplo
Tudo o que me solicitas...
Pedes-me felicidade,
E eu te dou saúde,
Esperanças e perspectivas...
Pedes-me dinheiro,
E eu te dou disposição para o trabalho,
Inteligência e pertinácia
Para gerires tua própria vida...
Pedes-me amor,
E eu te dou amigos,
Filhos e companheiros...
Mas, o que mais posso fazer por ti,
Se tenho visto quão pouco
Sorris para o que já possuis...
Se tenho visto tuas dúvidas
Transformarem-se em medos,
Quando deverias fazer delas
O triunfo de novas descobertas!
Se tenho visto que tua dignidade
Vem do esforço que fazes,
Quando deveria fluir do prazer
De espalhar felicidade!
O que mais posso fazer por ti,
quando vejo teus planos,
Transformarem-se em desenganos,
E tuas intenções quedarem-se paralisadas,
Pela pressão em que vives,
Quando deverias utilizar essa pressão
Para demonstrares a ti mesmo
Tua fortaleza!
O que mais posso fazer por ti,
Quando sucumbes à angústia
Da espera pelo filho
A quem deste tão pouca atenção genuína,
A quem sobrecarregaste de carinhos
Sem te ateres às pequeninas conquistas
Pelas quais ele esperava apenas teu reconhecimento...
O que fazer por ti,
Se em teus adiamentos,
Vendestes teus tão valiosos planos de vida
Pelo preço tão barato
Do conforto passageiro e imediato?
Se não consegues ver que o desânimo que te abate
É um nada diante de mil outras dificuldades
Com as quais teus semelhantes convivem?
O que mais posso fazer por ti,
Se quando acordas antes do sol
Não paras para ver o espetáculo
Que dou em tua homenagem
A cada nascer de um novo dia?
O que fazer por quem lembra da traição,
Mas não é capaz de dizer aos amigos fiéis
O quanto os admira,
Por quem aguarda a mão amiga
Mas não oferece a sua própria...
Para quem a multidão da qual fazes parte
Parece ainda mais hostil do que a ti?
O que posso fazer por ti,
Que ainda não fiz?
Acaso pensas que não ouço tuas orações?
Que sou alheio aos teus pedidos de socorro?
Mas, mesmo em minha onipotência,
Como te fazer ver
Que tua vida não é o vazio em que a atiras?
Como te fazer compreender
Que teu grito de revolta
Reflete um pouco de tua própria inação?
Como atingir teu coração
Com o amor genuíno aos que te rodeiam?
Como devo agir
Para que deixes de tentar ser o centro,
E faças parte da grande roda da vida,
Cujo centro sou eu, e apenas eu?
Como te fazer compreender
Que ao me pedires por milagres,
Eu te atendi muito antes de teu pedido,
Que és fruto de um ato de amor,
E que, portanto, és o próprio amor
Que nutro pela humanidade...
Mas, tens em ti uma natureza humana
Que tenta te afastar de mim...
Então, nada mais posso fazer por ti,
Até que comeces a me dar,
Ao invés de me pedir...
Que compreendas que, se tens uma parte humana
Que tenta te afastar de mim,
Tens também uma parte de mim,
Que pulsa em ti!
Assim, não posso te oferecer milagres,
Porque o milagre que me pedes
ÉS TU...
* * *
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Enviado por JB Xavier em 10/03/2005