ESCREVER É COISA SÉRIA!
ESCREVER É COISA SÉRIA!
Por J.B.Xavier
ESCREVER É, ANTES DE TUDO, FAZER AMIGOS!
Por isso, escrever é coisa séria! Quanto mais cedo fizermos novos amigos, mais cedo teremos velhas amizades! Palavras o vento leva, diz o provérbio, mas o que se escreve fica! Isto é sinônimo de comprometimento com a história da própria vida do escritor, com o seu pensar, com a sua visão cosmogônica do universo e da vida. Isto porque ao fim e ao cabo, o escritor será julgado pela História, e então, já não estará presente para refazer os textos mal alinhavados, irresponsáveis, ou simplesmente casuísticos.
Escrever é também um compromisso para com as gerações passadas de escritores e leigos, que deixaram cada qual seu tijolo na construção eterna da aventura humana. Compromete-se o escritor também com as gerações futuras, para as quais, quando escreve, faz história!
Geralmente o escritor mira um público leitor e espera que esse público
aprove o que se está escrevendo. Usa a linguagem adequada a esse público, mas esquece-se freqüentemente que seu escrito via de regra transborda desse público-alvo e acaba por cair em mãos talvez não preparadas para lê-lo,como as de uma criança, por exemplo.
É esse poder de exprimir idéias à frente, de revisitar idéias antigas, e de espalhar seus pensares ao seu derredor, que torna o escritor um ser
especial.
Não é sem motivo que Gutemberg é homenageado até hoje! Foi ele quem deu voz ao escritor, quem amplificou sua voz e levou-a aos quatro cantos do mundo, que tornou possível o registro do pensamento em quantidade antes inimagináveis! Foi ele ainda que amplificou os sentidos da humanidade, ao permitir que qualquer um, e, em tese, em qualquer lugar do mundo pudesse acessar informações antes herméticas e restritas a um pequeno número de "iluminados". Tornou possível discussões muito mais ampliadas, quer no tempo, quer no substrato, quer no espaço, quer na profundidade do tema tratado.
Adalgisa Neri disse certa vez que "escrever é, em síntese, juntar palavras para formar frases que contarão uma estória". Muitos escritores têm cumprido à risca essa recomendação, esquecendo-se de que juntar palavras para contar uma estória, é um conhecimento que qualquer criança detém. Esquecem-se estes, do que disse Mestra Adalgisa na continuação de seu raciocínio: "Escrever é também, virar a alma pelo avesso, desaguando as idéias guardadas no nosso íntimo"
Mas, permito-me adicionar meu próprio pensar à definição de Adalgisa Neri: O desaguar das idéias guardadas no íntimo, ainda não define completamente um escritor, a meu ver. Um verdadeiro escritor precisa trabalhar sob a lupa do bom senso, afastando-se dos exageros, dos modismos, do mau gosto e aproximando-se do senso estético que pode ser reconhecido através dos tempos, não importa quais culturas venham a analisar sua obra. Para o uso de gírias exageradas e outros modismos, grosserias puras e simples, pornografia sob o disfarce do "erótico" existe outras linguagens,mas que dificilmente poderão ser definidas como literatura.
D. H. Lawrence (David Herbert Lawrence - 1885-1930) um dos maiores nomes da literatura inglesa do século XX, fez tremer as estruturas sociais de sua época com uma literatura ousada, fora dos padrões. Disse ele: "O que o sangue sente, e acredita e diz, geralmente é verdade!". Lawrence batia forte nos usos, crenças e costumes de sua época.
No livro Críticas Selecionadas, no ensaio intitulado "A Respeito de
Romancess", diz ele, escandalizando o clero anglicano:
"The novel is the book of life. In this sense, the Bible is a great confused novel. You may say, it is about God. But it is really about man alive. Adam, Eve, Sarai, Abraham, Isaac, Jacob, Samuel, David, Bath-sheba, Ruth, Esther, Solomon, Job, Isaiah, Jesus, mark, Judas, Paul, Peter: what is it but man alive, from start to finish? Man alive, not mere bits. Even the Lord is another man alive, in a burning bush, throwing the tablets of stone at Moses's head."
" O romance é o livro da vida. Nesse sentido a Bíblia é um grande e confuso romance. Você pode até dizer que ele versa sobre Deus, mas a verdade é que ele é realmente um livro sobre o homem vivo! Adão, Eva, Sara, Abraão, Isaac, Jacó, Samuel, Davi, Ruth, Esther, Salomão, Job, Isaías, Jesus, Judas, Paulo, Pedro: O que são eles, senão homens vivos, do início ao fim? Homens vivos, não meras coisas! Mesmo o Senhor, é outro homem vivo, num arbusto ardente, atirando as Tábuas da Lei na cabeça de Moisés!"
(Tradução: J.B.Xavier)
Muitos de nós, quase cem anos depois, não têm coragem de dizer isso!
Lawrence era o Nelson Rodrigues de então. Ainda assim, quem lê sua
obra-prima, O Amante de Lady Chaterley, um clássico do erotismo, em nenhum momento encontra nada que se aproxime de pornografia. Encontra sim, um enredo de uma força dramática ímpar, e o verdadeiro erotismo levado ao paroxismo por uma mente prodigiosamente criativa e ousada, como neste trecho da obra:
"O guarda a conduziu para um recesso recoberto por folhas secas, que
amontoou e forrou com seu casaco. Aí fê-la deitar-se como um animal, e, de pé diante dela,de blusa e culote, Mellors a contemplou com os olhos dilatados de desejo. Desceu-lhe em seguida as roupas de baixo, arrebentando o que não podia desatar, porque Constance, imóvel, não o ajudava. E como também ele se houvesse despido na frente, houve um perfeito colamento de epidermes, ao dar-se a penetração. Mellors penetrou-a e ficou imóvel dentro dela, túrgido e palpitante, até perceber o começo do orgasmo de Constance - e não ritmou os movimentos de vai-vem. Fremente como o palpitar de uma chama, leve e macia como uma pluma, as entranhas de Constance começaram a derreter-se lá dentro. Era como o som de um sino, que de vibração em vibração sobe do vago ao apogeu. E Lady Chaterlley não teve consciência dos gritinhos que dava, que deu até o fim.
Fim da parte dele, apressado demais, sobrevindo antes que ela acabasse - e Constance não podia acabar sozinha. Daquela vez tudo era diferente. Por si nada podia fazer. Não podia retesar-se para mantê-lo dentro de si até que o gozo sobreviesse. Só podia uma coisa: Esperar. Esperar mentalmente e gemer ao sentir que ele se
retraía, já próximo a escapar de sua sucção. E como a anêmona do mar flutuante sobre a onda, suas entranhas abertas e macias clamavam por ele outra vez, que viesse satisfaze-la. E a ele agarrava-se no delírio da paixão inconsciente, e não o deixava arrancar-se dela.
Finalmemente sentiu que o broto do homem estremecia de novo dentro de sua carne, e recrescia em ritmos estranhos até ocupar todo o vácuo de sua consciência. E o inefável movimento recomeçou - movimento que não era movimento - mas um puro e profundo turbilhão de sensações que vibravam e mergulhavam mais e mais no íntimo de uma carne fundida, até torna-la um rebojo concêntrico de sensações a esguichar instintivos urros inarticulados. Foi com terror que nas travas do recesso, o homem ouviu aquele grito de vida ressoante debaixo dele, e dentro dela derramou em jatos sucessivos a sua
semente cálida. Fim. Foram esmorecendo os gritos e convulsões de Constance, e ele também esmoreceu, quedando-se perfeitamente imóvel em cima dela, sem nada pensar, sem nada saber. Constance relaxou o aprisionamento da carne masculina e também descaiu inerte. E lá ficaram os dois, perdidos, largados, sem sequer ter consciência um do outro."
Diante de um texto assim percebe-se que, quem escreve compromete-se profundamente com seus semelhantes. Através da escrita, é possível alterar estados de consciência para o bem ou para o mal e este poder é tão forte e está tão arraigado no inconsciente humano que sequer a internet, com todas as facilidades de comunicação que oferece, parece ser suficientemente forte para substituir o livro. Prova disto são os sucessivos recordes de vendas do mercado editorial, inclusive no Brasil, um país ainda às voltas com o analfabetismo.
De uma pena pode sair os editos que redimem ou a sentença que mata; pode-se plantar carvalhos ou espalhar ervas daninhas, pode-se elevar o espírito ou induzir ao erro.
Infeliz do povo que não tiver escritores responsáveis!
Por ser perene, a escrita guarda tanto as grandes verdades, que podem a qualquer tempo ser consultadas como fontes de pesquisa, como as grandes fraudes, frutos muitas vezes do interesse passageiro, mas que, como parte integrante da história, continua fraudando quem a ela recorre como fonte de consulta.
Tenho recebido muitas mensagens de leitores indignados com a falta de qualidade nos textos dos sites de literatura disponiveis na web. Em uma delas, recentemente, disse-me um leitor:
"Nesses sites Há muito texto lixo tentando ser luxo. Para os mais atentos, é fácil separar o joio do trigo.
Sempre houve e sempre haverá os que se utilizam da palavra escrita para se aproveitar de espaços democráticos para exteriorizar
seus sub-mundos, seus porões, seus instintos belicosos, suas questões mal resolvidas, e estes sempre terão seu público cativo. A História por fim, peneira e separa, como disse o leitor, o joio do trigo. E sobreviverá quem tiver déias consistentes, e sensibilidade para expressá-las.
São, portanto, as idéias e não as ações, a vida real do homem! Ao escritor, pois, cumpre juntar as idéias à ação, sob o manto da estética, para que possam divertir enquanto informam, nutrir-se na sensibilidade dos leitores, enquanto frutificam e elevam o espírito humano.
Isto, me parece, constitui-se na mais sublime forma de amizade!
JB Xavier
Enviado por JB Xavier em 29/07/2008