A URGÊNCIA DA DESAPRENDIZAGEM
A URGÊNCIA DA DESAPRENDIZAGEM
J.B.XAVIER
A maioria de nós cresce ouvindo dos pais a ladainha “o saber não ocupa lugar”. Por isso, ensinamos nossas crianças a ler cada vez mais cedo, e hoje, o número de crianças que chega ao início da vida escolar já alfabetizada, supera o número daquelas que terão ali seu primeiro contato com as letras.
O motivo dessa pressa em ensinarmos nossas crianças a aprender, ocorre, dentre outras causas, devido às decepções que muitos de nós, adultos, já passamos, por termos perdido certas oportunidades, fato ao qual atribuímos nossa falta de preparo, geralmente, concluímos, advindo de uma formação intelectual deficiente.
Assim, fornecemos às nossas crianças todos os meios de aprendizagem que estiver ao nosso alcance financeiro. Primeiro porque não desejamos que elas percam as oportunidades que perdemos, e segundo, porque tentamos garantir seu futuro.
Um dia típico de uma criança de agora, é bem diferente daqueles que tivemos em nossa infância. Enquanto que fazíamos barquinhos de papel para soltar nas enxurradas, hoje nossas crianças ganham um livro especializado em “origami” e fazem coisas maravilhosas com papel, sem saber bem para que estão fazendo aquilo.
Ouvíamos falar do Tibete, e em nosso imaginário, tratava-se de um país longínquo, inacessível, possível de ser visto apenas pelas páginas da National Geographic, para quem tinha acesso à revista, claro.
Filmes como Hatari, com o grande John Wayne, ou Tarzan, nos levavam a uma visita à África sufocante e misteriosa. Estereótipos, como tambores batucando, safáris em busca de tigres e leões, gente suarenta, zulus e massais longilíneos, com suas flechas e escudos coloridos, davam-nos a idéia de um mundo distante demais para ser visitado.
Nosso conhecimento vinha quase todo de enciclopédias maciças que, ou tínhamos em casa, ou visitávamos em bibliotecas públicas ou colegiais. Ali, por entre os verbetes, passeávamos pelo mundo, com informações sempre ultrapassadas.
Que eu me lembre, não havia a pressão psicótica por bons resultados nos estudos, nos moldes que há hoje. Éramos compelidos a estudar, porque, ao faze-lo estaríamos garantindo nosso futuro.
Então a palavra mágica dessa época era “GARANTIA”! Bastava que estudássemos e as chances de sermos absorvidos pelo mercado de trabalho eram muito boas. De fato, eram quase garantidas. Isto porque as informações que nos eram passadas nos bancos escolares permaneciam atuais por muito tempo. Um médido da década de 60, se entenderia perfeitamente com outro médico da década de 40! Idem a um contador ou a um administrador!
Assim, fomos ensinados a aprender, e, o que é mais importante, a apreender.
Como garantia da garantia do sucesso profissional, havia as coisas básicas a aprender. Datilografia era uma delas. Ou aprendíamos a datilografar, ou não teríamos acesso ao sucesso. SeM datilografia, haveríamos sempre de pertencer ao universo dos empregos desvalorizados. Sequer aos medianos chegaria aquele que não aprendesse a datilografar.
Como poderíamos supor que o mundo iria, de uma hora para outra, dar uma reviravolta tão rápida e espetacular?
Como adivinhar que, mais rápido do que poderíamos imaginar, tornar-se-ia realidade a oração de todo aprendiz de datilografia: Instalar na máquina de escrever, uma tecla que corrigisse automaticamente os erros cometidos?
Como adivinhar que um dia iríamos ter nosso próprio cinema em casa? Ou visitar Nairóbi sem sair da sala? Ou conversar em tempo real - como fiz há dias atrás - com Andy Williams,(genmgr@andywilliams.com) um dos maiores cantores norte americanos, de quem sou fã desde minha juventude, sem ter que apelar para uma telefonista para completar a ligação via cabo submarino?
Qual o contador que imaginaria um dia poder utilizar algo como o Excel, em seu trabalho? Nem em seus mais loucos sonhos ele teria imaginado algo assim!
Qual a secretária que imaginaria poder um dia justificar texto à direita sem ter que ficar contando as palavras e letras, próximo à margem, ou colocando hífens sob a última letra da linha?
Qual a empresa que poderia imaginar um dia contar com um Access ou Oracle?
Mas aconteceu! E pegou todos nós desprevenidos. Desde os tempos de Heráclito que se tem consciência de que nada é eterno. Mas duvido que mesmo ele se sairia bem na vertiginosa velocidade com que as coisas envelhecem, em nossos dias!
Mesmo Heráclito não imaginaria nada melhor que o Lótus 1 2 3, ou o Quatro Pro! Nunca imaginei – e acredito que há época ninguém tenha imaginado - nada além do Dbase. Com ele tudo era possível! Só hoje sabemos tudo o que não era possível fazer com ele!
Ou será que alguma secretária, depois de ter passado por máquinas de escrever elétricas, e da maravilha das maravilhas - a máquina de escrever IBM com esfera, poderia imaginar que um dia haveria oWord Star, e depois dele, processadores de texto ainda melhores?
Vejam bem, sou do tempo em que se levava toca discos para a praia! Sim, daqueles cuja tampa era também a caixinha acústica! Levava-se discos compactos para a praia. Não confunda com Compact Disk os CDs atuais. Os daquele tempo era uns disquinhos com sulcos, com duas ou no máximo quatro músicas.
Meu sonho, há época, era ter um K7, aqueles gravadores do tamanho de metade de um vídeo cassete, que tinha uma alça para ser carregado.
Como eu poderia antever o CD? E quando eu, já adulto, consegui amealhar quase dois mil – isso mesmo – dois mil CDs em minha coleção, vieram com o tal MP3. Fiquei olhando para minha pilha de discos com cara de bobo - de novo - como fizera, há não muito tempo, com minha coleção de Long Plays! Gravei tudo em MP3, lógico. E há poucos dias li em algum ligar da Internet: “Vem aí o substituto do MP3 com arquivos ainda menores”. Senti-me um bobo, de novo!
Pois bem, o vídeo Cassete também já era - foi ultrapassado pelo DVD, que por sua vez ja está sendo ultrapassado pelos pendrive. E aprenda logo o que tudo isso quer dizer, senão você talvez nem tenha tempo de fazer isso.
Já eu sou do tempo em que o termo “sexólogo” não existia, e “pedofilia” era apenas uma aberração comportamental sem nome, execrada pela sociedade em geral.
Hoje temos redes intercontinentais de pedófilos, e sexólogas administram cidades!
Há algo de podre no reino da Dinamarca? Não! O que há são pessoas como eu, que demoram a mudar de idéia, porque foram ensinadas a aprender, não a desaprender!
Essa questão da desaprendizagem começou a tomar forma para mim, no dia em que recebi a visita de um diretor da matriz alemã da empresa onde eu trabalhava. Havíamos importado a última palavra em tecnologia da matriz, e mesmo assim, nossa produtividade não aumentara aos níveis esperados.
Eu e esse diretor, um homem muito mais velho que eu, checamos todos os processos de fabricação e, pelo menos eu, nada encontrei de anormal. Então, quando nos reunimos em minha sala para avaliar a questão, perguntei-lhe o que ele encontrara para justificar nossa improdutividade.
Antes de responder, ele ofereceu-me um cafezinho. Coloquei minha xícara para que ele a enchesse, e enquanto eu lhe explicava minha visão dos fatos, ele continuou derramando café na xícara. Ela transbordou , o café invadiu o pires, mas ele não parecia notar. Calei minha boca, assustado, enquanto o café começou a transbordar do pires para o carpete.
Ele notou o meu constrangimento, e ainda sem parar de derramar o café na xícara, disse-me que a verdadeira razão para nossa falta de produtividade era o fato de estarmos com nossas mentes cheias de coisas antigas e velhos modos de pensar. Disse-me que, tal como a xícara, nossos cérebros têm um limite para o aprendizado, e que, além desse limite, ele começa a transbordar. Disse-me ainda que é preciso “derramar” a parte não essencial do que aprendemos, para que haja espaço para novos aprendizados. Disse-me que, seu desejasse tomar vinho após o café, teria que esvaziar a xícara, caso contrário eu não sentiria o verdadeiro paladar nem do vinho nem do café! E finalmente disse-me que, se não desaprendêssemos o velho modo de fazer as coisas, nada mudaria em nossa empresa, mesmo com as mais modernas tecnologias!
Desse dia em diante fiquei atento para esse fato, e pude constatar que os que se saem melhor no jogo da vida, não são aqueles que sabem mais, mas aqueles que “desaprendem” mais, porque os que aprendem a desaprender têm sempre conhecimentos “up to dated”. O que? Não sabe o que é isso? Bom, esse termo substitui a palavra “atualizado”!
E por falar em anglicanismos, quantos cursos de inglês você já fez? E honestamente, você diria que flui no idioma? Mas, certamente, você sabe tudo de datilografia, que aliás, agora, se chama digitação!
Mas não desanime. Há um consolo! Mesmo os geradores de tecnologia têm lá suas resistências às novidades. Por exemplo. Você sabe porque o teclado das máquinas de escrever foram formatados com a famosa seqüência “QWERTY? Nem sempre foi assim! As primeiras máquinas de escrever tinham a seqüência do abecedário nas teclas.
É que ao ser vendida as primeiras máquinas de datilografia, elas “encavalavam” os tipos, devido à velocidade das datilógrafas. Como não havia tecnologia, há época, para acelerar as máquinas, optou-se por “atrasar” as datilógrafas, e todas as letras mais utilizadas no idioma inglês, foram deslocadas para os dedos mais fracos.
Então responda: Se os teclados eletrônicos atuais não têm problemas de “encavalar”, porque continuam com a disposição “QWERTY?” Provavelmente, porque o mundo inteiro teria que desaprender a usá-lo, e desaprender não é uma palavra muito querida, nem fácil de fazer!
Ora! Se tecnologias, conceitos, comportamentos etc. envelhecem numa velocidade assombrosa, é óbvio que outras tantas as substituem nessa mesma velocidade, senão maior!
E que fazemos nós, cujo histórico de vida foi todo construído sobre a palavra “aprender”? Como conseguiremos “apreender” tudo o que se nos é exposto diariamente? Como classificar o que é útil do que não nos serve absolutamente? Como descartar algo sem analisá-lo antes? E como analisar tudo, para poder proceder a essa classificação?
Como disse meu diretor alemão. “Experimente desaprender um pouco”!
FIM
JB Xavier
Enviado por JB Xavier em 18/02/2006
Alterado em 25/04/2009