CANTO AO AMOR PERDIDO
J.B.Xavier

Quando as palavras pairam impotentes,
Submetendo-se ao vazio cheio de vida do silêncio,
Quando o coração entristecido já não chora,
Mesmo tendo ao seu dispor um oceano de lágrimas,
E debatendo-se pelo mundo das sombras implora
Pela paz que um dia viu brilhar no firmamento,
Quando já não há futuro nem passado, apenas o momento
Da consagração eterna do amor em irresolutos ardores,
Quando o espírito se acomoda
Numa curva qualquer do caminho, e desesperançado
Vê suas pegadas na estrada sendo apagadas pelo vento
Quando o sorriso, no que foi um dia a magia de um momento
Aguarda pacientemente a visita de uma alegria
Que justifique uma fugaz felicidade,
Quando enfim os resquícios da antiga mocidade
Vão aos poucos fugindo do espelho
Quando num brilho do olhar se aninha toda uma vida,
E mesmo assim, goteja sobre a saudade ressequida
As mesmas gotas de amor que gotejavam na juventude,
Quando a mentira do tempo já não ilude,
E da peça onde fui autor, cenário, e mesmo ator
Já agora lentamente cai o pano,
Quando a verdade docilmente se submete ao engano
E da grande avenida estendida à frente
Já pouco resta, a não ser resquícios da verve eloqüente
Que pouco mais fez que ser audaciosa e inconsciente,
Quando o olhar pousa no horizonte sempre mais distante
Apagando-se na luz fugidia do ocaso da existência
Esvaindo-se numa doce e tardia leniência
Sinto latejar esta antiga ferida que não sara,
Inflamando-se sempre que te trago ao pensamento...
Então fico diante dessa esperança única e estranha,
E como Sísifo retorno ao alto da montanha
Levando minha rocha neste misto de tristeza e de saudade
Para logo vê-la rolar montanha abaixo, até o fim da eternidade...

* * *

      
Sísifo:
Por toda a eternidade ele foi condenado por Zeus a rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível. Por esse motivo, tarefas que envolviam esforços inúteis passaram a ser chamadas "Trabalhos de Sísifo".