SAIBA DIZER NÃO SEI
SAIBA DIZER NÃO SEI
Jack Denton Scott
É preciso humildade e um espirito aberto para dizer "não sei".
Tão frequente como o resfriado comum, (e quase tão desagradáveis) são esses sabichões que fazem parar uma conversa e fecham seus próprios espíritos ao dizer "eu sei", quando alguém menciona um assunto de interesse.
Eu posso dizê-lo, pois também fui assim.
Certa noite, porém, tive minha lição durante um jantar oferecido pela esposa de um mestre-cuca muito conhecido.
A senhora parecia deprimida e nervosa, enquanto um dos outros convidados e eu conversámos com ela. Apontou um objeto preto de metal que estava sobre uma mesa e se assemelhava a um estranho grelhador elétrico.
"Isto é algo muito especial para raclette", disse. "Vocês conhecem?"
Eu estava quase dizendo que sim, quando o sujeito ao meu lado anunciou: "Não, eu não sei. O que é? Um novo processo de grelhar bifes?"
O sorriso da anfitriã era digno de ser apreciado. À medida que ia explicando como o aparelho funcionava, a senhora se iluminava...e eu ia prendendo. Raclette não era o sanduíche aberto de queijo suíço fundido, como eu pensava que fosse, mas uma variante do fondue, em que um pedaço de queijo suíço é devidamente derretido até um grau de maciez que permita raspá-lo para dentro de um prato e depois servi-lo com batatinhas cozidas e pequenos pepinos em conserva.
Mais importante porém, que eu constatar que não sabia o que julgava saber, foi fazer ressaltar uma de minhas deficiências.
Eu tinha quase certeza de que o sujeito ao meu lado, um homem que andara pelo mundo e perito em culinária, saberia o que era raclette. Sabia também algo que eu desconhecia: a maneira e o momento de, diplomaticamente, dizer "não sei" - e assim, dar aos outros a oportunidade de brilhar.
Na ocasião seguinte, porém, eu já sabia. Temos uma vizinha que, em parte por motivo de defeito físico, raramente participa das conversas durante uma reunião. Nessa noite, ela nos trouxe de presente um legume de aspecto invulgar, de cor verde, esguio e curvo, com uns trinta centímetros de comprimento.
Das seis pessoas presentes houve cinco que não sabiam (ou disseram que não sabiam) o que era, mas havia um sujeito que ainda não aprendera o que eu havia aprendido. Pelo menos foi isso que pensei.
"Pepino que não faz arrotar", disse ele imediatamente. Podia-se ver a senhora do pepino desanimando - e iria emudecer de todo, quando o homem que identificara o pepino me surpreendeu: "Ruth", disse, "você que entende tanto de horticultura, conte para nós o que há por trás desse pepino estranho".
Assim ficamos sabendo como certa firma de sementes tinha gasto anos apurando um pepino digerível, e vimos nossa amiga introvertida descontrair-se e se divertir.
Pouco tempo depois de haver me convencido de haver dominado essa nova arte de espírito aberto e boca fechada, me vi sentado ao lado de um fazendeiro amigo, numa reunião em nossa cidadezinha, durante a qual houve uma longa palestra sobre vacas, preços de leite e incentivos aos fazendeiros, feita por um sujeito da cidade que recentemente se radicara em nosso meio rural e estava dirigindo o mais importante escritório local.
Terminada a reunião, eu disse para o meu amigo: "Você, Charlie, que sabe tudo sobre vacas e problemas de fazendeiros, por que não se pronunciou?"
"Sim, eu sei sobre vacas", respondeu Charlie, "mas não sei nada de política. Tenciono aprender mantendo a boca fechada".
Na verdade aprendeu. Dois anos depois era um cobra da política local - o porta-voz dos fazendeiros.
O psicólogo industrial Benjamim Hewitt acha que o emprego habitual das palavras "eu sei" indica espírito fechado e relutância em se abrir ou se revelar. Faz ver a muitas pessoas a quem aconselha que respostas rápidas e fáceis implicam uma maneira de pensar esterotipada, e que o "não sei" demonstra rapidez em ser imaginativo e agir criativamente.
Ele recorda o caso de um industrial, homem que se realizou às suas próprias custas, e que, tendo começado seu negócio do nada, acabou por conhecê-lo em todos os aspectos. No entanto, quando falava com seus empregados, era sempre com uma atitude de "não tenho a solução completa. Você a tem? " E assim continuava aumentando sua reserva de conhecimentos. "Ele se elevou ao sucesso encorajando os outros a se manifestarem" relembra Hewitt. Afinal, é como disse abertamente Thomas Alva Edison: "Nós não sabemos a milionésima parte de 1% de nada".
Hewitt acha que todos podemos acrescentar incomensuravelmente algo à nossa arte de viver, aprendendo a dizer calmamente para nós mesmos "tenho de pensar nisto", ou abertamente para os outros, "não sei". Esse psicólogo indica cinco recompensas de que todos podemos nos beneficiar praticando essa forma de autodomínio.
1-Aumentar nossa credibilidade.
A pessoa mais culta que conheço é uma senhora de 80 anos que já correu o mundo inteiro. É professora universitária fala doze idiomas, lê ininterruptamente e domina um vocabulário absolutamente impressionante. Tem também uma memória que mais parece um arquivo. Apesar disso nunca a vi abusar de seus conhecimentos durante uma conversa, nem diz que sabe algo, se não sabe.
Tenho aprendido a aumentar minha própria credibilidade escutando essa senhora sempre com resposta para tudo, mas que frequentemente diz "não sei", e sugere que "se consultem os livros", em vez de fazer alarde dos próprios conhecimentos.
2-Abstrair do fanatismo e das convicções erradas.
Certa noite ouvi um homem que recentemente tivera alta do hospital falar de um banqueiro aposentado, considerado por muitas pessoas um ricaço austero, muito cheio de si. Nada comentei sobre o tal banqueiro, e fiquei perplexo ao saber que esse homem "rude" passava grande parte do seu tempo visitando doentes em hospitais, levando-lhes livros e pequenos presentes. Não apresentando minhas próprias opiniões na conversa, descobri que eu e muitas outras pessoas tínhamos permitido que a riqueza e natureza reservada daquele homem criassem uma impressão errada a seu respeito. Desfiz portanto, por ficar calado, uma impressão fanatizada.
Presentemente este banqueiro aposentado é meu amigo íntimo e respeitado confidente.
3-Contribuir para abrilhantar uma conversa, não para acabar com ela.
Um dos mais exímios animadores de conversa que tenho tido o prazer de observar é Walter F. Sheehan, ex-diretor da escola Cantebury, estabelecimento de ensino preparatório na Nova Inglaterra. Mestre da arte do "não sei", ele gosta de desviar a conversa de um sujeito chato ou de um sabichão, introduzindo um assunto interessante em que é versado.
A guerra civil americana é um de seus assuntos favoritos. Uma noite, quando falávamos de Robert E. Lee, um conviva perguntou: "Lee não menosprezou os fatos, ou não foi inclusive cruel, quando perdeu mais da metade de seus homens atacando Round Top, em Gettysburg, contrariando os conselhos de seus melhores oficiais?" "Não sei" respondeu calmamente o diretor. "Não sou militar". Depois, virando-se para o sujeito ao lado, perguntou: "É verdade que os homens de Lee gostavam tanto dele que teriam feito a carga mesmo sem receberem ordens? Tenho ouvido dizer isso, mas não sei se é verdade ou não". O sujeito pegou a deixa e começou a falar entusiasticamente da magnética personalidade de Lee.
O diretor usou seus conhecimentos para guiar e inspirar a conversação, nunca permitindo que o "não sei" dominasse, e fez de um serão que parecia destinado a cair em sonolenta monotonia em uma valiosa experiência.
4-Fazer os inibidos sair de suas conchas.
A conversa sobre o pepino digerível é um bom exemplo. A técnica a utilizar é o tato. Quando se sabe demasiado sobre os conhecimentos das outras pessoas e se lhes dá a entender isso, essa atitude pode levar os tímidos a se retraírem ainda mais.
5-Abrir nossos espíritos, proporcionando-lhes novos horizontes.
Sócrates anunciou uma vez, muito sucintamente, a maneira de se conseguir um espírito aberto: "Quanto a mim, só sei que nada sei". Vários discípulos o seguiram.
Antoine Gilly, um dos grandes mestres-cuca, é muitas vezes assediado por pessoas que querem lhe transmitir seus 'fantásticos' segredos culinários.
Uma vez ouvi uma senhora falar com ele durante vinte minutos para lhe explicar como é que ela fazia omeletes. Mais tarde ele me declarou sorrindo: "Você sabe, eu nunca usei este método, porque ele da forma à omelete empurrando, nunca a vira. Parece uma coisa lógica e dá menos trabalho. Quando se põe a omelete no prato, seu aspecto, afinal, é o mesmo. Ainda hei de experimentar".
Essa é a diferença entre um grande mestre-cuca e um cozinheiro vulgar que supõe conhecer tudo.
Um assunto que eu pensava que sabia um bom bocado era a Índia, especialmente suas selvas, onde costumava ir estudar os animais selvagens. No entanto, seguindo a idéia de antoine Gilly, em vez de falar do que já conhecia a um indivíduo que permanecera lá bastante tempo, ouvi ele me descrever um horizonte completamente novo ( ma região no sopé do Himalaia, a penas 150 km do Tibet chinês ) que eu nunca vira. Aquilo que aprendi por não ter fechado o espírito, veio fazer parte de um romance que fez sucesso: "Elephant Grass".
Em seu livro The Cawthom Journals, o escritor Stephen Marlowe inclui um personagem que exemplifica minhas idéias de maneira incisiva:
"Não ter certeza é uma ótima sensação. Ouvi hoje bastante respostas prontas que ficarão gravadas em mim a vida inteira. Começo a pensar que o som mais interessante de nossa lingua é o das duas palavras 'não sei', pois elas nos dão uma base para começar a perceber o sentido de mistério em cada vida humana."
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JB Xavier
Enviado por JB Xavier em 03/08/2009
Alterado em 15/09/2016