JB Xavier

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A ORIGEM DA VIOLÊNCIA
J.B.Xavier

CRIME E DEPRAVAÇÃO – VÁLVULAS DE ESCAPE


Obviamente conto com a compreensão dos leitores para as generalizações que são feitas nesta reflexão, entendendo que todos sabemos que exceções existem, e são elas, justamente, que permanecem como o farol seguro a indicar os caminhos.

Para abrir este artigo, cito um trecho de um artigo publicado dia atrás no site do UOL, que muito bem ilustra o raciocínio que o norteia:

"A nova Daslu é o assunto preferido das conversas em São Paulo. Os ricos se entusiasmam com a criação de um local tão exclusivo e cheio de roupas e objetos sofisticados e internacionais. Os pequeno-burgueses praguejam contra a iniciativa, indignados com tanta ostentação.

As formalidades na entrada levam ainda em conta a privacidade do local de quase 20 mil metros quadrados, não muito longe da favela Coliseu (sic). A reportagem de um site calculou, por falar nisso, que a soma da renda mensal de todas as famílias da favela (R$ 10.725, segundo o IBGE) daria para comprar apenas duas calças Dolce & Gabbana na loja.

Talvez os shoppings, mesmo os mais sofisticados, como o Iguatemi, tenham se tornado democráticos demais para o gosto da classe alta paulista. A cada pequeno entusiasmo econômico, logo a alvoraçada classe média da cidade resolve se intrometer aos bandos nas searas exclusivas dos muito ricos.

Mais dia, menos dia, em decorrência disso tudo, alguém teria a idéia de criar um novo tipo de centro de compras, superprotegido e super-seletivo, como ocorreu à Daslu. Não deve demorar muito para que imitações deste novo modelo de shopping-bunker se espalhem por outros cantos de São Paulo e pelas cidades tristes do Brasil."

O articulista termina citando as "tristes cidades do Brasil." Tristes, sim, pelos abismos sociais que abrigam.

Demonstra a História – e ela o faz cotundentemente – que os abismos sociais acabam por derrubar impérios. Ricos e pobres sempre existiram e sempre existirão, mas sempre que a diferença de poder aquisitivo entre ambos ultrapassa certos níveis, o sistema volta-se contra si mesmo e começa a se destruir, num processo autofágico difícil de ser contido e geralmente com conseqüências devastadoras.

Independentemente do país, do nível social, casta ou religião em que venha a nascer, todo ser humano é, em algum grau, livre, embora esses fatores costumem estabelecer o grau dessa liberdade.
Para os propósitos desta análise, esses níveis de liberdade são irrelevantes, uma vez que nos interessa apenas analisar os sonhos contidos dentro deles.

À medida que o fosso social se aprofunda, aprofundam-se também as diferenças de percepção do ambiente entre os mais e os menos favorecidos economicamente. Na juventude, durante os anos de adolescência, essas percepções adquirem um aspecto vital para a saúde social de uma nação.

A partir de certo grau, as diferenças sociais não permitem mais que uma classe aprenda com a outra, assimilando mutuamente as forças positivas que as movem. Ao contrário, estabelece-se uma espécie de antiaprendizado, no qual cada uma das partes parece absorver o que a outra tem de pior.

Assim, o jovem pobre, quando foge às regras sociais, parte para o crime. Ele não tem educação, nem bons exemplos a seguir. Tampouco tem esperança de que a classe rica vá lhe dar alguma oportunidade de progresso. Sem horizontes, sem perspectivas, o ódio aos poucos vai se instalando em seu ser e espraiando-se generalizadamente, acabando por emiscuir-se em seu dia-a-dia e por potencializar todos os seus dissabores e frustrações. Diante do enorme fosso aberto à sua frente, o jovem pobre desiste da luta, e substitui a moral pelo ódio, tornando-se brutal e selvagem como o delito.

O jovem rico, por sua vez, odeia também o anel de miséria que o rodeia, e vê nele um risco que o obriga a freqüentar ambientes fechados, gradeados e rodeados por todo tipo de parafernália que garantam sua segurança.
Essa insegurança fá-lo passar por momentos de contradição, entre a solidariedade aos menos favorecidos e a defesa de seu próprio bem estar social.

Ao contrário do jovem pobre, o jovem rico é requintado como a perversão. Assim, diante da constatação de sua impotência para resolver seus conflitos, ele se deprava, porque lhe falta a coragem para enfrentar as conseqüências do crime nu e cru. Depravação não traz sanções penais. Ela fica no campo da imoralidade, onde não pode ser alcançada pelo campo de ação do Direito.

O viciado em drogas, o ocioso, e todo tipo de desvios não drásticos de comportamento dos padrões tidos como normais, não é punido, porque não constituem crime. Os que incorrem nessas faltas, não irão presos. Assim, o jovem rico opta pela depravação que o jovem pobre, por grosseria, não tem requinte para apreciar.

SEXO – A CAUSA MAIOR


Muito dos desvios de comportamento na adolescência decorre de fatores ligados ao sexo. Grande parte dos problemas dos jovens de ambas as camadas sociais – ricos e pobres - vêm da ignorância sobre como administrar suas vidas sexuais.

Apesar dos progressos havidos no diálogo entre pais e filhos, a verdade é que – como disse o compositor Belchior em uma de suas músicas: “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”.

A perversão sexual dos jovens é muito mais o resultado da falta de conhecimento dos jovens sobre a matéria, do que dos arroubos instintivos da juventude.

Não é raro os pais terem em casa filhos e filhas com sorrisos angelicais que, nos momentos em que se vêem livres da vigilância paterna, se entregam às maiores depravações sexuais.

Porque jovens meninas e rapazes saudáveis brincam com a própria saúde e se auto agridem até o limite do admissível? Desafio? Medo de um mundo que, a seu ver, não oferece condições de sobrevivência?
Muito desse comportamento tem causas muito mais simples e muito menos glamurosas do que alguns pais tentam se convencer.

Na vã esperança de se livrarem da responsabilidade pelo fracasso dos filhos como pessoas úteis à sociedade, muitos pais jogam a culpa no governo que não lhes dá – segundo eles – condições de educar os filhos, como se educar fosse papel do governo.

Ao governo cabe informar. Educação é o conjunto de normas de comportamento que faz uma sociedade funcionar, e isso somente a família pode fornecer. Ocorre que a constituição da família mudou através das eras e o atual modelo nuclear já não satisfaz algumas necessidades básicas de seus componentes, especialmente dos filhos.

De um encontro de pessoas com interesses uns nos outros, a família transformou-se num aglomerado de pessoas afeitas aos seus próprios interesses. Embora vivendo debaixo do mesmo teto, já não há entre pais e filhos o interesse genuíno de uns para com os outros.

Pais continuam a perseguir seus objetivos de vida numa louca escalada de correria desenfreada que não concede espaço para acompanhar os filhos em seus primeiros passos pela vida. Estes, por sua vez, ao serem colocados em segundo plano, rompem seus compromissos de fidelidade para com os pais e buscam respostas em gangues ou turmas que partilham de suas idéias.

Assim cria-se um fosso profundo, ainda que invisível entre pais e filhos no seio da própria família.

A libido juvenil quando descoberta pelos jovens, desencadeia uma série de modificações estruturais no comportamento dos mesmos, com a conseqüente modificação de vários aspectos de suas personalidades. Os pais que ignoram esse fator ou o desconhecem, colaboram decisivamente para a depravação dos mesmos.

O afeto equilibrado – cada vez mais raro no seio familiar – é a única fórmula segura de angariar a confiança dos filhos e faze-los acreditar mais nos próprios pais do que nos amigos.

O contrário é, também, verdadeiro: A falta de equilíbrio comportamental nos pais, a diferença entre seus discursos e suas práticas, sua ignorância sobre o hedonismo sensual e não sensual da infância, explica em parte o número sempre crescente do homossexualismo de origem social, dos desvios severos de personalidade, dos estupros, da sevícia, dos suicídios juvenis, da prostituição precoce, e de muitas outras aberrações de fundo sexual.

O resultado disso tudo é crime e/ou perversão.
Mas, os jovens se pervertem, ou são pervertidos pelo meio, e – não raramente – pelos próprios pais?

Apesar de chocante, a pergunta acima força a que façamos uma visita aos porões da sociedade no que ela tem de mais discutível: a maneira como as condições de vida são distribuídas, a maneira e os critérios de julgamentos do sucesso, o conceito de perdedor e vencedor e finalmente a falta de condições que impõe ao atingimento da felicidade.

Nenhum pai ou mãe admitirá publicamente que está sendo relapso com seus próprios filhos. Ao contrário! Dirá que os filhos são o que eles têm de mais importante. Dirão que correm atrás do sucesso, ou trabalham em excesso, apenas para garantir o bem estar dos mesmos. Ironicamente, eles acreditam mesmo nisso! Entretanto são suas atitudes não verbais as que mais transmitem aos jovens a mensagem oposta a essas boas intenções.
O jovem percebe que está sendo cobrado quanto a boas notas no colégio, não porque os pais estejam genuinamente interessados em seu sucesso – embora em certo grau realmente estejam - mas porque o colégio é um investimento pesado, que eles não desejam ver desperdiçado.

A sociedade dos abastados se fecha sobre si mesma com grades, arame farpado, cercas eletrificadas, enquanto vê a sociedade dos pobres fechar-se ao redor deles, em gigantescos anéis de pobreza que constituem as periferias das cidades.

Os centros urbanos modernos, hoje, lembram as cidadelas medievais, defendidas pelos cavaleiros andantes, onde a elite falso-moralista se encastelava entre muros fortificados para se defender das hordas de bárbaros incultos que constantemente tentavam toma-las de assalto.
A perversa distribuição de renda cria um círculo mortiferamente vicioso: Para manter seu “status quo” a parte abastada da sociedade legisla em causa própria e tenta acumular mais e mais, aproveitando todas as vantagens legais e ilegais que lhes caiam às mãos. Na outra ponta do espectro, a parte menos abastada vê-se obrigada a delinqüir como forma de retomar pela força, o que lhes foi tomado pelo direito – um eufemismo para encobrir a legislatura em causa própria.

Empunhando a bandeira da religião, as sociedades ainda não conseguiram se libertar dos grilhões do falso moralismo – ou pelo menos do moralismo antiquado – que estas lhe impingem.

Mantidas na ignorância obscura sobre as novas necessidades de uma geração que é em tudo diferente daquela que a precedeu, os pais – muitos deles também com históricos de desamor em sua juventude – continuam agindo de maneira inadequada. Continuam a colocar seus filhos em famosos colégios vetustos, que, apesar de terem se atualizado em termos técnicos, continuam completamente desaparelhados para lidar com os anseios de uma juventude sempre mais carente de afeto e reconhecimento.

Esses colégios ensinam aos jovens pretensas abordagens das expectativas sexuais, mas geralmente o fazem desligando a educação sexual da educação afetiva, quando se sabe que uma é dependente da outra, que ambas são as duas faces de uma mesma moeda.

Por não conseguir orientar, essas abordagens geralmente criam nos jovens mais dúvidas que respostas, de maneira que seria lícito afirmar que, mesmo bem intencionadas, essas iniciativas – que a rigor é função dos pais – acabam por induzir os jovens ao erro, e por extensão, à revolta.

O jovem se deprava através do sexo – e não falo aqui dos deslizes que todo jovem volta e meia comete – numa tentativa de responder aos adultos que ele sabe se autodeterminar, buscando com isso a auto-afirmação que lhe falta.

Ao folhear um jornal dominical de grande circulação, o jovem tem nas mãos mais informações do que um homem do século dezenove podia dispor em toda a sua vida! Então, o jovem atual é muitíssimo melhor informado do que a maioria dos seus pais. O problema não reside, portanto, na informação, mas na formação.

Ao contrário dos pais, o jovem atual tem que tomar decisões muito mais cedo, e a partir de uma massa de dados muito maior. Graças a isso, ele tem muito mais discernimento que seus pais, quando estes tinham sua idade. Ele compreende muito melhor a realidade em que vive, e, ao contrário dos pais, não vive assustado com ela, mesmo porque ele é fruto dela!

Esse discernimento precoce fá-lo perceber muito mais cedo e com muito mais clareza a hipocrisia do mundo dos adultos. Ele sabe que seus censores têm suas amantes, que seus pais, não raro, têm diferenças inconciliáveis que tentam esconder, vivendo, às vezes, numa torturante realidade de faz-de-conta.

Cultos fanáticos, políticos desonestos, falsos ídolos, etc, fazem o jovem ficar de frente com a hipocrisia cedo demais. A hipocrisia é, na verdade, muito mais nociva do que qualquer tipo de depravação, porque enquanto esta é um fim em si mesma, aquela é a causa da maioria das mazelas humanas.

A explosão sexual a partir da invenção da pílula anticoncepcional fez explodir muitos tabus, mas também criou outros, como a crença de que a responsabilidade contraceptiva é responsabilidade apenas da mulher.
Com esse poder em mãos, as mulheres - que já vinham de uma realidade muito mais castrante que os homens - atiraram-se à nova liberdade; e hoje o problema da depravação sexual é muito mais sério entre as garotas que entre os rapazes.

Em verdade, a grande responsável pela depravação sexual é a família não adaptada às novas necessidades que uma sociedade “on line” requer.
A cultura de massa, movida pela hipocrisia financeira, impõe aos jovens mitos sexuais que fazem-nos muito mais frustrados. Magreza extrema e beleza esfuziante para as jovens; corpos esculturais e tamanho do pênis para os rapazes são apenas alguns desses mitos.

Sexo é para ser cultivado e desenvolvido, tal como outro aspecto qualquer da vida humana. O que a mídia moderna faz é separa-lo do contexto e conferir-lhe um poder que ele, por si só, não tem: o de trazer a felicidade, o bem estar, e de ser a chave para a felicidade.

Não é o sexo que faz a vida feliz e produtiva. A vida produtiva é que pode ter como resultado o ajustamento e a felicidade sexual.

Qualquer abordagem que leve o jovem a colocar o sexo em primeiro lugar está, por natureza, errada, e os jovens que seguem estarão comprometendo seu futuro como pessoas úteis à sociedade e correndo o risco de desajustes sociais sérios.

A resposta para esses desajustes no jovem pobre é o crime. No jovem rico é a depravação.

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JB Xavier
Enviado por JB Xavier em 27/01/2005
Alterado em 16/01/2011


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