JB Xavier

Uma viagem ao mundo mágico das artes!  A journey into the magical world of  the arts!

Textos


A FLECHA E O ARCO

Do livro Caminhos

J.B.Xavier

 
     Eu nunca esperaria sua presença na festa de lançamento de mais um de meus romances...
     Em meio ao burburinho dos amigos e convidados, lá estava ela, num canto, sozinha, a me observar fixamente, enquanto seu esposo, fazia sucesso numa roda de mulheres, à distância.
     Fui diretamente até ela, que, à minha aproximação, baixou o olhar. Delicadamente, levantei-lhe o queixo entre as mãos e me vi refletido no oceano que marejava seus olhos, e que de repente se soltaram em forma de duas grossas lágrimas.
     Meu pensamento voou para tempos longínquos, onde dois jovenzinhos riam-se da vida.
     Tínhamos planos...muitos planos.
     Iríamos conquistar o universo! Iríamos incursionar pelo país das descobertas, vagar pelos vales da esperança, navegar pelo lago da bonança, atravessar os túneis do desespero e, sempre de mãos dadas, iríamos vencer os trechos dos nevoeiros das dúvidas que baixassem sobre nossos caminhos...
     Eu a ouvia enlevado sobre como sobrepujaríamos as limitações que nos seriam impostas, sobre como riríamos das tentativas das atribulações de se antepor à nossa marcha e sobre como caminharíamos no mesmo passo em direção ao futuro...
     Como duvidar dessas certezas? Como não acreditar no brilho dos seus olhos quando ela me falava do porvir? E como não beijar seus sorrisos, quando as cenas de nossa felicidade se desenhavam em seus lábios? Como esquecer as nuvens de fé refletidas nos seus arroubos de jovialidade?
     E assim, eu ficava a ouvi-la horas a fio, criando eu próprio meu mundo maravilhoso, onde, para qualquer lado que eu olhasse, lá estaria ela a me servir de farol nessa grande travessia que nos aguardava à frente.
     Sua voz suave e magnética conduzia-me por caminhos divinamente enfeitados de brilhos e reflexos mágicos, retirando de mim a realidade de dificuldades que nos rodeavam, e, com o poder da chama do ferreiro, derretia as algemas que me limitavam os movimentos, tornando-me livre para sonhar..
     Então, liberto dos grilhões de minhas próprias limitações, eu me transformava num poderoso deus - um Zeus - para quem tudo era possível. 
     Maravilhosas auroras nos abençoaram com suas promessas de paz, quando acampávamos em alguma praia selvagem e deserta, na irresponsável ousadia de dois jovens, audazes guerreiros nascidos para ter o mundo aos seus pés.
     Brisas marinhas nos trouxeram aromas e vislumbres de terras distantes, que um dia, sabíamos, iríamos conhecer.
     Gansos em migração voando em perfeita formação sobre nossos céus lembravam-nos de que nada seria impossível, enquanto permanecêssemos unidos.
Fundidos na mesma fé, na risonha felicidade dos ardores adolescentes, e na certeza absoluta de que nada nos deteria, caminhávamos em passos seguros em direção aos sonhos.
     Mas o Tempo fluía inexoravelmente, tendo por companhia a Realidade e as Atribulações.
     Muitas vezes elas me testaram, e em tantas outras, considerando demasiada a missão que assumi, meus passos vacilaram sob o peso de dificuldades mal calculadas.
     Mas, em cada fraquejar, encontrei sua mão a me apoiar, e seu sorriso a descortinar-me novas esperanças...
     Meu Deus, quanta pressa tinha ela, enquanto caminhava célere em direção às suas metas, que, supunha, eram, como sempre foram, também as minhas!
Seu passo acelerava-se para além de minha capacidade de segui-los.
Ela já não caminhava; voava como uma flecha, cujo alvo já está traçado desde o momento em que deixa o arco.
     Lentamente incertezas insinuavam-se em meu espírito, e aumentavam minha dificuldade em compreender porque ela não parava no caminho para admirar as flores que desabrochavam à nossa passagem, porque não diminuía o ritmo da marcha, ao ver a brisa brincando com as acácias, ou o banho de areia dos delicados e alegres passarinhos que nos saudavam graciosos.
     Mais que caminhar, Ela corria! E fui ficando para trás, até que minhas mãos já não estavam ao alcance das suas.
Então, dúvidas atrozes me assaltaram, e, cada vez que eu tropeçava, meus gemidos de dor perdiam-se na imensidão da estrada vazia à minha frente, onde eu via apenas suas pegadas apressadas...
     Ecos de meus gritos ressoavam no infinito, devolvendo minhas queixas em forma de terrível solidão...
      Até que um dia, numa curva qualquer do caminho, vi outras pegadas ao lado das suas, e lágrimas amargas desceram por minhas faces marcando o fim de um sonho e o início de minha caminhada solitária.
     Mas segui avançando, porque lá no fundo do meu coração, sua voz ainda me incitava à vitória, ainda me aplaudia pelos meus pequenos sucessos, e mesmo que fossem ecos do passado, era neles que residia a minha força.
     Como o arco que se retesa cuidadosamente e escolhe com calma a direção, eu segui pela vida contando histórias de amor e fazendo versos, os mesmos versos que um dia tanto a inebriaram e dos quais ela tanto se afastou, dizendo-me que já não eram úteis.
     Devo-os às paradas que fiz pelo caminho, aos passeios solitários pelos parques, às juras de amor eterno que fiz à beleza que me rodeava, e que decidi não ignorar...
     Não sei se cheguei onde ela queria, mas onde quer que eu tenha chegado, cheguei incólume, radiante com a vida e perfumado pela poesia...
     Então, rompi o silêncio dolorido.
     - E tu, que tens feito? Chegaste onde querias?
     - Sim, cheguei, – respondeu ela num sussurro, enquanto me olhava com os olhos marejados - mas pedaços de mim ficaram pelo caminho, e já nem mais me reconheço...Eu te tive e te perdi... a única jóia verdadeira que ganhei em toda a minha vida...mas há um preço para tudo - disse, dirigindo um olhar sofrido ao esposo que sorria à distância, rodeado de lindas mulheres.
     Então, delicadamente, levantei-lhe o queixo entre as mãos e me vi refletido no oceano que marejava seus olhos, e que de repente se soltaram em forma de duas grossas lágrimas.
 

FIM
JB Xavier
Enviado por JB Xavier em 03/11/2012
Alterado em 05/11/2012


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