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GERAÇÃO DE COVARDES
HARA ESTROFF MARANOTalvez seja o ciclista no parque, todo ajeitado com seu capacete metálico azul, percorrendo uma trilha de terra -a 3 km por hora. De triciclo.
Ou talvez seja o playground típico de hoje, que, em lugar do chão de terra em que as crianças do passado arranhavam os joelhos, é protegido por piso emborrachado. Espere aí -não são criancinhas que estão brincando ali. São suas mães -e, mais ainda, seus pais- que estão ali dentro, brincando juntos com as crianças ou "ensinando-as" a brincar. Poucos pais se contentam em ficar sentados nos bancos do parque, como faziam os pais de tempos passados, deixando as crianças se virarem por conta própria.
Outra novidade são os géis de higienização que, hoje em dia, mais de um terço dos pais, segundo uma pesquisa recente, manda para a escola na mala das crianças. Ao que parece, os pais de hoje receiam que os banheiros das escolas não sejam bons o suficiente para seus filhos.
Considere-se a situação de um professor recém-chegado a uma escola em um subúrbio de classe média alta. Ao passar os olhos pela pasta de relatórios com detalhes sobre as "concessões" que deveria fazer a muitos de seus alunos de história, chamou sua atenção a ficha abrangente, bem escrita -e evidentemente cara-, compilada para uma garota que já se configurava como uma das melhores alunas de sua classe da nona série. "Ela é um pouco neurótica", ele revela, "mas é inteligente, organizada e conscienciosa -o tipo de aluna que sempre entrega os trabalhos escolares dentro do prazo, mesmo que esteja morrendo de dor de estômago".
Ele finalmente identificou a desordem para a qual teria que manifestar tolerância: dificuldade com pensamento gestalt. A aluna de 13 anos "não era capaz de enxergar o contexto maior". Essa deficiência astutamente formulada (afinal, que criança de 13 anos é capaz de enxergar o contexto maior?) poderia garantir que a garota fosse autorizada a fazer todas as provas e os exames sem limites de tempo, especialmente o grande exame final: o SAT [teste de aptidão escolar], que habilita o aluno a ingressar na universidade.
Infância higienizada
Bem-vindo à infância inteiramente higienizada e protegida, sem joelhos esfolados ou uma ou outra nota "C" no boletim. "As crianças precisam sentir-se em falta de vez em quando", diz o psicólogo infantil David Elkind, professor na Universidade Tufts [Massachusetts, EUA]. "Aprendemos por meio da experiência, incluindo as experiências negativas. Por meio do fracasso, aprendemos a enfrentar as dificuldades." Mas cometer enganos, mesmo no playground, é algo que anda totalmente fora de moda. Apesar do fato de tentativa e erro serem os verdadeiros "pais" do sucesso, os pais estão se dando muito trabalho para remover os erros dessa equação.
Ninguém duvida da existência de forças econômicas importantes que estão impelindo os pais a investir tão pesado na produção de seus filhos, desde a mais tenra idade. Mas tirar do desenvolvimento das crianças todo o desconforto, as decepções e até mesmo a brincadeira, especialmente quando isso é acompanhado de uma pressão crescente de exigência de sucesso, revela ser um erro de rumo de mais ou menos 180 graus. Quando enfrentam poucos desafios próprios, as crianças não conseguem criar suas adaptações criativas próprias às vicissitudes normais da vida. Não apenas isso as torna avessas ao risco, como as faz psicologicamente frágeis, corroídas pela ansiedade.
Nesse processo elas perdem o senso de identidade, de sentido e de realização, sem falar em suas chances de alcançar a felicidade "real". Além disso, não aprendem a ter perseverança, que não é apenas uma virtude moral, mas uma habilidade necessária à vida. Essas falhas psicológicas da juventude do século 21 estão se espalhando e aprofundando. Queiramos ou não, estamos a caminho de criar uma nação de covardes.
Essas falhas psicológicas da juventude do século 21 estão se espalhando e aprofundando; queiramos ou não, estamos a caminho de criar uma nação de covardes
A faculdade parece ser o lugar onde o fator fragilidade está causando mais impacto. É onde os caminhos intelectuais e de desenvolvimento convergem, ao mesmo tempo em que as "rodinhas auxiliares" emocionais são retiradas. Segundo relatos diversos, o sofrimento psicológico nos campi universitários é crescente e onipresente. Ele assume uma variedade de formas, entre elas a ansiedade e a depressão -que, cada vez mais, vêm sendo vistas como duas faces da mesma moeda-, o consumo excessivo de álcool, abuso de drogas, automutilação e outras formas de desconexão.
Perseguição obsessiva
De acordo com uma pesquisa anual realizada por diretores de centros de aconselhamento psicológico, os problemas de saúde mental dos estudantes vêm se agravando desde 1988. Até 1996, os problemas mais comuns mencionados pelos estudantes eram questões relativas a relacionamentos. Para Sherry Benton, diretora-assistente de orientação psicológica na Universidade Estadual do Kansas, isso é apropriado para o estágio de desenvolvimento dos estudantes. Em 1996, porém, a ansiedade superou os problemas com relacionamentos e se mantém até hoje como o problema maior. O Centro de Depressão da Universidade de Michigan, o principal dos EUA, estima que 15% dos estudantes universitários em todos os EUA sofrem desse problema.
Os problemas de relacionamento não desapareceram. O que acontece é que sua natureza mudou dramaticamente e eles se agravaram. As faculdades relatam cada vez mais casos de perseguição obsessiva levando à violência e até mesmo a mortes. A anorexia e a bulimia sob formas subclínicas hoje afligem 40% das universitárias em alguma fase de seus estudos.
O consumo de álcool também mudou. O que antes era um modo de facilitar os contatos sociais hoje adquiriu uma natureza mais sombria, mais desesperada. As universidades dos EUA relatam aumentos recordes na incidência de consumo desenfreado de álcool nos últimos dez anos, sendo que muitos estudantes se apresentam em sala de aula embriagados, quando se apresentam.
"Existe um ritual temido por todo reitor universitário", relata John Portmann, professor de estudos religiosos na Universidade da Virgínia. "Todos os anos, no outono, os pais deixam seus filhos calouros na universidade, limpinhos e arrumadinhos. No prazo de dois ou três dias, muitos deles terão consumido uma quantidade perigosa de álcool e colocado sua saúde em risco. Esses jovens passaram tanto tempo controlados que simplesmente ficam malucos (quando se vêem livres)."
Basta conversar com um reitor ou administrador universitário para, quase com certeza, ouvir histórias de pais que ligam às 2h da manhã para reclamar da nota "C" que seu filho Branden tirou em economia e que vai prejudicar suas chances de fazer pós-graduação.
Caso em pauta: a inflação de notas. Quando assumiu a reitoria de Harvard, em julho de 2001, Lawrence Summers escarneceu publicamente do valor das distinções concedidas na universidade, depois de descobrir que 94% dos alunos de último ano estavam se graduando com distinções. Para o historiador social Peter Stearns, da Universidade George Mason [Virgínia], a inflação de notas representa a resposta institucional à ansiedade dos pais com relação às exigências impostas aos filhos pelo sistema escolar.
Como tal, é pura e simplesmente um indicador do investimento emocional excessivo no sucesso da criança. E se baseia no conceito de fragilidade juvenil -"a presunção de que as crianças são facilmente magoadas e precisam de incentivos explícitos", argumenta Stearns em seu livro "Anxious Parents - A History of Modern Childrearing in America" [Pais Ansiosos - Uma História dos Métodos Modernos de Criação de Filhos nos EUA, New York University Press, 251 págs., US$ 19 -R$ 50].
A atitude superprotetora dos pais pode atingir seus excessos mais cômicos na faculdade, mas não é ali que começa. Pode-se afirmar que as escolas primárias e de segundo grau são igualmente culpadas de promover inflação de notas. "Hoje em dia os pais americanos esperam que seus filhos sejam perfeitos -as pessoas mais inteligentes, mais velozes, mais encantadoras do universo. E, se não conseguem que os filhos provem isso por conta própria, eles recorrem a médicos para transformar seus filhos nas pessoas que querem que eles sejam", diz John Portmann.
O que eles realmente estão fazendo, diz Portmann, é "mostrar aos filhos como fazer o sistema funcionar em benefício próprio". E os estão submetendo a um escrutínio intenso. Um jovem paciente disse a David Anderegg, psicólogo infantil em Lenox (Massachusetts) e professor de psicologia no Bennington College: "Eu gostaria que meus pais tivessem outro hobby que não fosse eu".
Anderegg constata que os pais ansiosos são hiperatentos a seus filhos, reagindo prontamente a qualquer pequeno incômodo que atrapalhe o dia deles, ansiosos por resolver qualquer problema que surja na vida de seu filho -e acreditam que, com isso, estão fazendo um bom trabalho como pais.
Na estufa em que se transformou o processo de criação das crianças, o brincar é algo que praticamente desapareceu. Mais de 40 mil escolas americanas não têm mais recreio. E o pouco tempo que ainda resta para brincar foi corrompido. Os esportes organizados dos quais muitas crianças participam são administrados por adultos. As dificuldades que surgem ali não são resolvidas pelas crianças, e sim por decreto de árbitros adultos.
Muita coisa já foi escrita sobre a comercialização do brincar infantil, mas não sobre seus efeitos colaterais, diz Elkind. Para ele, "as crianças não estão se beneficiando do brincar, como acontecia no passado". Desde o início, o brincar ajuda a criança a aprender a se controlar e a interagir com outras crianças. Contrariamente à idéia amplamente difundida de que apenas as atividades intelectuais aguçam a mente, é o brincar que realmente desenvolve a agilidade cognitiva.
Dependência permanente
Estudos feitos com crianças e adultos em todo o mundo mostram que o envolvimento social de fato melhora as habilidades intelectuais. Incentiva a capacidade decisória, a memória, o pensamento e a rapidez do processamento mental. Isso não deve surpreender ninguém. Afinal, acredita-se que a mente humana evoluiu para lidar com os problemas sociais. O acesso perpétuo aos pais infantiliza os jovens, conservando-os num estado de dependência permanente. Toda vez em que surge a menor dificuldade, "eles procuram a orientação dos pais", segundo Kramer. Não estão aprendendo a virar-se sozinhos.
Pense-se no celular como o cordão umbilical eterno. Um do modos pelos quais nos tornamos adultos é internalizando uma imagem de nossos pai e mãe e dos valores e conselhos que eles nos passaram em nossa infância. Então, sempre que nos defrontamos com incertezas ou dificuldades, recorremos a essa imagem internalizada. Nós nos tornamos, de certa maneira, todos os adultos sábios que já tivemos o privilégio de conhecer. "O celular impede os jovens de descobrirem por conta própria o que fazer", diz Anderegg. "Eles não chegam a internalizar nenhuma imagem. A única coisa que internalizaram é o comando "ligue para papai ou mamãe"."
Alguns psicólogos acham que ainda não nos demos conta do impacto total que o celular exerce sobre o desenvolvimento infantil, porque o objeto é recente. Embora existam variáveis demais para permitir que se determinem causas e efeitos claros, Bernardo Carducci, da Universidade de Indiana, acha que a dependência do celular prejudica os jovens ao acabar com sua capacidade de planejar com antecedência. "A primeira coisa que os jovens fazem ao sair da minha sala de aula é abrir seus celulares. Cerca de 95% das conversas são algo desse tipo: "Acabei de sair da aula. Te vejo na biblioteca em cinco minutos". Se não houvesse o celular, eles teriam que combinar com antecedência; teriam que pensar mais para a frente."
Esse é outro caminho possível à depressão. A habilidade de planejar reside no córtex pré-frontal (CPF), a parte executiva do cérebro. O CPF é uma parte crítica do sistema auto-regulatório e está profundamente envolvido na depressão, uma desordem que, cada vez mais, é vista como sendo causada ou mantida por padrões de pensamento não-regulados -algo que poderia ser chamado de ausência de rigor intelectual.
Fixação de metas
A terapia cognitiva deve sua eficácia à aplicação sistemática do pensamento crítico às reações emocionais. Ademais, os sentimentos positivos são gerados quando se fixa metas e se trabalha com vistas a alcançá-las, por mais mundanas que sejam. A resistência à depressão nasce de atividades cotidianas desse tipo.
O telefone celular -além da disponibilidade instantânea de dinheiro e de praticamente qualquer bem de consumo que se possa desejar- promove a fragilidade, ao enfraquecer a função auto-reguladora. "Você se acostuma a que as coisas aconteçam imediatamente", diz Carducci. Não apenas você quer a pizza já, como você generaliza essa expectativa para abarcar outras áreas, tais como as amizades e os relacionamentos íntimos. Você se frustra e se impacienta facilmente. Torna-se pouco afeito a buscar maneiras para resolver problemas. Assim, as relações humanas fracassam -o que talvez seja a experiência mais forte, em termos isolados, que pode conduzir à depressão.
A década de 1990 testemunhou uma inversão espantosa nos padrões tradicionais da psicopatologia. Enquanto os índices de depressão sobem entre pessoas com mais de 40 anos, aumentando com a idade, hoje estão subindo mais rapidamente entre as crianças, além de estar atingindo crianças de idade cada vez mais tenra.
Em seus estudos, hoje famosos, sobre o temperamento infantil, o psicólogo de Harvard Jerome Kagan demonstrou de maneira inequívoca que o que cria crianças ansiosas é a presença de pais sempre à sua volta, protegendo-os contra experiências estressantes. Cerca de 20% dos bebês nascem com temperamento agitado. Esses bebês podem ser identificados ainda no útero -eles apresentam batidas cardíacas aceleradas. Seus sistemas nervosos são programados, já desde o útero, para que eles se superexcitem em resposta a estímulos, constantemente emitindo alarmes falsos em relação àquilo que é perigoso.
Desde a primeira infância, as crianças desse grupo sentem estresse em situações que a maioria das crianças não sente como sendo ameaçadora. Elas podem passar pela infância e até mesmo pelo estado adulto sentindo medo de pessoas e acontecimentos desconhecidos, sendo tímidas e retraídas. Na idade escolar elas se tornam cautelosas, quietas e introvertidas. Se forem deixadas por conta própria, vão crescer fugindo de contatos sociais. Quando estão na companhia de outras pessoas, sentem falta de confiança. São facilmente influenciadas por outras pessoas. São os alvos prediletos de pessoas agressivas. E estão a caminho da depressão.
Embora sua reatividade inata pareça destinar todas essas crianças a, mais tarde na vida, padecer de desordens ligadas à ansiedade, as coisas não acontecem dessa maneira.
Entre um temperamento nervoso na infância e a persistência da ansiedade, posicionam-se duas coisas altamente significativas: os pais. Para sua surpresa, Kagan constatou que o surgimento da ansiedade não era inevitável, apesar da aparente programação genética.
Aos dois anos de idade, nenhuma das crianças superexcitáveis havia se tornado temerosa, desde que seus pais evitassem protegê-la em excesso, permitindo que ela encontrasse alguma maneira de adaptar-se ao mundo por conta própria. Os pais que superprotegiam seus filhos -fato observado diretamente por meio de entrevistas realizadas em suas residências- faziam vir à tona o lado pior desses filhos.
Estratégia de resistência
Esses estudos contêm uma lição para todos os pais. Aqueles que deixam seus filhos encontrarem uma maneira de enfrentar as tensões cotidianas da vida por conta própria os ajudam a desenvolver estratégias de resistência e a capacidade de lidar com a vida.
"As crianças precisam ser incentivadas gentilmente a tomar riscos e descobrir que isso não terá conseqüências terríveis", diz Michael Liebowitz, professor de psiquiatria clínica na Universidade Columbia e diretor da Clínica de Desordens de Ansiedade do Instituto Psiquiátrico do Estado de Nova York. "Elas precisam ser expostas pouco a pouco para descobrir que o mundo não é perigoso. Ter pais superprotetores representa um fator de risco para desordens de ansiedade porque, com isso, as crianças não têm oportunidade de superar sua timidez inata e ganhar confiança no mundo." Elas não aprendem a controlar os caminhos que levam da percepção à reação de alarme.
Segundo Anderegg, a superproteção dos pais enfraquece as crianças também de outras maneiras. O fato de ser observada e analisada a todo momento provoca constrangimento extremo na criança. Como resultado, ela se torna menos comunicativa; o escrutínio a ensina a esconder profundamente seus sentimentos reais. E, sobretudo, esse constrangimento e acanhamento lhe privam da segurança necessária para se arriscar e para brincar. "Se cada desenho que você faz vai terminar colado na geladeira de seus pais, você não se sente livre para desenhar o que lhe vier à cabeça, para fazer feio ou cometer erros", diz Anderegg.
John Portmann acha que os efeitos da superproteção são ainda mais perniciosos -que eles enfraquecem toda a tessitura da sociedade. Ele vê os jovens se tornando cada vez mais fracos, cada vez mais ansiosos por pertencer ao rebanho maior, demasiado ansiosos por se enturmar -afirmando-se menos em sala de aula, pouco dispostos a discordar de seus pares, com medo de questionar a autoridade, mais dispostos a satisfazer as expectativas dos que estão situados um pouco acima deles na escala de poder.
Quando se rouba a infância de alguém, o resultado, em última análise, é que essa infância se prolonga para sempre. Apesar de toda a pressão dos pais -provavelmente em razão dela-, os jovens estão reagindo à sua própria maneira. Estão levando mais tempo para amadurecer e crescer.
Quando se remove a brincadeira da fase inicial do desenvolvimento, ela reaparece na fase final. Uma progressão constante e regular de êxitos ao longo de uma infância organizada e monitorada pelos pais gera jovens adultos que precisam de tempo para explorar a vida por conta própria. "Eles freqüentemente precisam de um tempo na universidade ou depois dela para se lançar em experiências válidas -ou seja, para serem crianças", diz o historiador Stearns.
Criam-se leis que conferem às crianças muitos direitos e proteções mas também permite-se à mídia e aos marqueteiros ter livre acesso a elas
"Existem evidências históricas dignas de crédito que sugerem que as sociedades que permitem a suas crianças e seus jovens alguns anos de tolerância e mesmo rebelião moderada terminam com jovens mais saudáveis do que as sociedades que fazem de conta que tais impulsos não existem."
O casamento é um critério que define a condição adulta, mas seus antecedentes vêm da infância. "O precursor do casamento é o namoro, e o precursor do namoro é o brincar", diz Carducci. Quanto menos tempo as crianças passam brincando livremente, menor será sua competência social quando adultos. É brincando que aprendemos a dar e a tomar, que forma o ritmo fundamental de todos os relacionamentos.
O mundo estressante da concorrência implacável que os pais enxergam no futuro de seus filhos talvez nem sequer exista. Ou, então, ele existe, mas mais nas cabeças deles do que na realidade -não exatamente como uma ficção, mas como um espelho que distorce a realidade.
"Os pais enxergam o mundo como um lugar terrivelmente competitivo", diz Anderegg. "Muitos deles projetam isso sobre seus filhos, quando são eles que vivem ou trabalham num ambiente competitivo. Então eles imaginam que seus filhos também devem estar nadando num mar repleto de tubarões." Ao comprarem condições melhores para seus filhos, de modo a mitigar sua própria ansiedade, os pais eternizam a fragilidade dos filhos.
As crianças, entretanto, não são as únicas prejudicadas pela preocupação excessiva. A vigilância é enormemente cansativa -e tira toda a diversão da tarefa de ser pai ou mãe. "A condição de ser pai ou mãe se tornou menos gostosa do que era no passado, e isso de algumas maneiras mensuráveis", diz Stearns. "Vejo os pais de hoje menos dispostos a tolerar o tempo de seus filhos. Então ou eles os alimentam à força ou fazem coisas por eles (coisas que os filhos deveriam fazer)."
Os pais precisam abrir mão da idéia da perfeição, abrir mão de um pouco do controle invasivo que passaram a manter sobre seus filhos. A meta do trabalho dos pais, nos lembra Portmann, é criar um ser humano autônomo. Cedo ou tarde, diz ele, a maioria dos jovens será forçada a confrontar sua própria mediocridade. Os pais podem achar mais fácil abrir mão de um pouco do controle se eles reconhecerem que exageraram muitos dos perigos da infância -embora tenham constantemente ignorado outros, ou seja, a eliminação do recreio nas escolas e a onipresença dos videogames que incentivam a agressividade.
Nova infância
A infância, atualmente, é muito diferente da infância de eras passadas, aponta Epstein. Hoje em dia as crianças não começam a trabalhar desde cedo. Elas permanecem na escola por períodos mais longos e passam mais tempo exclusivamente na companhia de seus pares. As crianças vivem muito menos integradas à sociedade adulta do que viviam no passado, quando o eram a cada passo do caminho. Criam-se leis que conferem às crianças muitos direitos e proteções -mas também permite-se à mídia e aos marqueteiros ter livre acesso a elas.
Ao modificar a natureza da infância, argumenta Stearns, iniciamos a tendência a presumir que as crianças não sejam capazes de enfrentar situações difíceis. "Os pais de classe média, especialmente, presumem que, se as crianças se metem em dificuldades, eles devem vir correndo e resolvê-las por eles, em lugar de deixá-las mergulhar um pouco na sua própria confusão e aprender com ela. Não quero dizer que devamos abandonar nossos filhos, mas que devemos ter um pouco mais fé em sua capacidade de encontrar soluções para os problemas, eles próprios." E reconhecer que os próprios pais criaram muitas das tensões e ansiedades que afetam os filhos, sem, entretanto, lhes dar as ferramentas com as quais poderiam lidar com elas.
A ansiedade dos pais tem seu papel devido na vida. Mas, da maneira como as coisas acontecem hoje, ela não está sendo usada com sabedoria. Estamos dedicando atenção demais a crianças de menos -e, em última análise, não estamos dedicando atenção às crianças certas. Mas há crianças que merecem nossa preocupação -crianças que vivem na miséria, observa Anderegg. "Temos o hábito de focalizar exclusivamente nossos próprios filhos", diz Elkind. "Está na hora de começarmos a nos preocupar com todas as crianças."
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Hara Estroff Marano é editora da "Psychology Today", onde a íntegra deste texto foi publicada originalmente. É autora de "Why Doesn't Anybody Like Me?" [Por que Ninguém Gosta de Mim?] e "Style Is Not a Size" [Estilo Não é um Tamanho].
Tradução de Clara Allain.