O PERIGO DA HIPOCRACIA OU CAVALGADURAS NO PODER!
J.B.Xavier
Inexplicavelmente, a cada quatro anos, abrem-se as comportas dos céus, e um jorro celestial de inteligência, honestidade, dinamismo, altruísmo, patriotismo e interesse generalizado pelo irmão sofredor parece descer e apossar-se das mentes dos candidatos a cargos públicos.
Também inexplicavelmente, providencia os céus uma súbita amnésia, logo após o resultado das urnas, fazendo com que toda aquela montanha de boas intenções evapore da cabeça dos ungidos pelo voto – leia-se confiança dos que o elegeram.
Invariavelmente, eleição após eleição, parece que finalmente aquele candidato tem a solução para os problemas que ninguém no mundo ainda tinha pensado! A pobreza e as desigualdades sociais serão erradicadas; haverá comida e emprego para todos, e um novo modelo econômico e social será finalmente instaurado para redenção de todos os eleitores.
Com raríssimas exceções, esses senhores, são invariavelmente contaminados pelo vírus do poder, e vendem a própria alma, se necessário, renunciando aos próprios princípios - se um dia os tiveram - para chegar a ele.
Eles deformaram a Democracia (do grego ‘demokratia’ – governo exercido pelo povo).
São os representantes de uma nova forma de governo, que à falta de um nome melhor, batizei de “Hipocracia” – governo exercido pelos hipócritas, ou, se preferirem aprofundar-se na semântica do termo – “governo exercido pelas cavalgaduras”.
Não importa que a falência da União Socialista Soviética tenha demonstrado com todas as letras que os homens que buscam o poder, são, com algumas exceções, fracos de vontade e inapelavelmente serão tragados pelas seduções que o poder propicia.
Também não importa que na revolução que mudou o mundo, em 1789, na França, mesmo após ter a guilhotina descido sobre o pescoço de Luis XVI, o FHC de então, a sede de sangue não amainou, e começou uma caça às bruxas, tendo nela perecido alguns dos artífices da revolução, como Marat (Jean-Paul Marat 1743-1793). O feitiço virou contra o feiticeiro. C’est la vie – diriam os que se apossaram do poder. E teriam razão. É a vida! Rei morto, rei posto!
Liberdade! Igualdade! Fraternidade! era o grito de guerra da Revolução Francesa. Mas era bom demais para ser verdade! Nunca, na história do mundo, o homem vivenciou esses três sonhos simultaneamente. Entretanto essa boa intenção não impediu que o período pós revolucionário fosse chamado de “O Reinado do Terror” e conduzido exatamente por um dos maiores revolucionários, Maximilien Robespierre (1758-1794), que acabou na mesma guilhotina que, comandada por ele, decapitou Luis XVI.
A tentativa de fazer a omelete sem quebrar os ovos revelou-se impraticável, pois as disputas pelo poder, após a revolução, fizeram surgir a Guarda Nacional, e após um banho de sangue onde pereceram mais de 17.000 pessoas em território francês, o poder acabou nas mãos de um general revolucionário que viria, logo depois, trair os ideais da revolução e proclamar-se imperador da França. Seu nome: Napoleão Bonaparte (1769-1821).
Assim, embora a mãe de todas as Revoluções que tiveram como intenção mudar o modelo social vigente tenha legado ao mundo um brado de guerra belíssimo, na prática, lançou o país no caos que pretendia erradicar.
A cada pleito eleitoral vejo o Brasil “rachado” em vários segmentos, cada um deles representado por um partido político, que não se sabe bem porque, espera a época das eleições para dar suas brilhantes idéias redentoras para a “salvação” da nação.
A Oposição, que deveria ser o contraponto da Situação, criticando ações e apresentando alternativas, mantém-se arredia, irritadiça e reacionária. Num discurso antigo, retrógrado, anacrônico, ela consegue apenas praticar a crítica desvairada e inconseqüente, ou sugerir alternativas utópicas. Mas qual é o povo de algum país que ainda tem altos índices de analfabetismo que sabe o significado da palavra “utopia”?
O termo “utopia” significa, em grego, “lugar que não existe” ou “não lugar”.
Eis uma das razões para não se incentivar a educação no país. Povo inculto “engole” mais facilmente mentiras utópicas, por não lhes compreender o sentido.
Não há nada mais covarde do que vender uma utopia para um povo que está preocupado ainda em apenas sobreviver. Thomas More, ou Morus, na forma latinizada (1478-1535) com seu livro Utopia, ecoou pelos séculos até fazer coro, quinhentos anos mais tarde, com O Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley (Aldous Leonard Huxley, 1894-1963) em ambas as obras, a humanidade não consegue atingir a felicidade, ao buscar o mundo perfeito.
É impressionante, sintomático e assustador, que as idéias de More, um homem do século XVI – que era advogado – se assemelhem tanto com as da oposição brasileira em pleno século XXI.
More criou uma ilha perdida em algum oceano não identificado, onde existia a sociedade perfeita. Ele pregava que uma sociedade justa deveria ter leis pouco numerosas, e as riquezas deveriam ser repartidas. A principal crítica social de More gira em torno da abolição da propriedade privada. Adverte que a igualdade seria impossível com a propriedade. É um dos primeiros a atacar a propriedade na era cristã.
More foi buscar na “República” de Platão, a inspiração para sua obra. É bom lembrar que o FHC de então era Henrique VIII, o monarca que criou a religião anglicana apenas para poder se casar de novo. É bom lembrar também que More foi condenado à morte e executado ao insultar Ana Bolena, uma das tantas esposas do rei, ao não comparecer À sua coroação.
Ora, um discurso com 500 anos de idade, está fadado ao fracasso, como provaram os insucessos na instauração de outras utopias, como a estatização total da extinta União Soviética ou o a Religião da Música, de Richard Wagner.
Vender a idéia de uma utopia em época de eleição é um ato covarde, porque é o mesmo que oferecer uma bóia salva vidas para quem está se afogando.
Por outro lado, a Situação, que deveria ouvir sugestões da oposição passíveis de serem aplicadas, as refuga sistematicamente, porque não fazem parte da Plataforma Eleitoral pela qual foram eleitos.
Mario Vargas Llosa, em recente artigo onde estende o olhar a toda a América Latina, diz:
“Não existe uma economia de mercado digna desse nome sem uma Justiça clara e eficiente, que defenda os direitos dos cidadãos, e uma informação livre que permita uma vigilância permanente das reformas em todas as instâncias".
Enquanto as atenções do povo são atraídas pelos jogos de cena eleitoreiros dos poderes Executivo e Legislativo, em perene embate pelo poder, o terceiro poder, o Judiciário, segue imune e impune às mudanças, permanecendo num atraso medieval que envergonha aqueles que honestamente pertencem a ele ou a qualquer pessoa que tenha um mínimo senso de brasilidade.
Vendas de liminares, corrupção desenfreada, lentidão, são a tônica de um poder que malandramente se mantém longe dos holofotes, resistente a qualquer tentativa de modernização. Então, os Naias, Richthofen, e Nahas, estão livres, leves - e soltos! Eu não estranharei se osdefuntos pais da moça forem declarados culpados pela própria morte. Algum advogado encontrará algum artigo na Lei que demonstre isso. Basta ter dinheiro para comprar a liberdade. Isto lembra um pouco a venda de indulgências, pela Igreja Católica, na Idade Média. Naquela época, quem tinha dinheiro, não tinha pecados. Mera conicidência? Não. É atrazo mesmo!
Vale lembrar que já tivemos um Ministro da Desburocratização, na década de 80, e que mesmo sob o poder ministerial, ele não conseguiu – ou não quis – banir essa vergonha nacional que é o cartorialismo. Ainda somos o país das certidões, da firma reconhecida, dos Atestados. Ainda permanecemos desanimados ao apelar para o poder judicial clamando por justiça, porque sabemos que o circo está armado para beneficiar o infrator, que qualquer demanda judicial será medida não em meses, mas em anos; que há um sem-número de encarcerados cujas penas já venceram, mas que continuam na prisão, simplesmente porque a burocracia não consegue liberta-los.
E assim, seguem essas duas vertentes ideológicas, ambas estúpidas pelo simples fatos de se excluírem mutuamente, dividindo o Brasil em dois Brasis, cada um deles, por definição incompleto, porque não prevê lugar em seus planos para os “adversários políticos”. Não há nas plataformas dos candidatos nenhum vislumbre sobre temas como ecologia, reforma do Judiciário, ou mesmo planos sustentáveis sobre educação. Há apenas mentiras utópicas e populistas, irreais e irresponsáveis, como os CIEPS de Brizola e Darcy Ribeiro que tentaram fazer funcionar num país miserável, uma escola suíça, onde o estudante era bem alimentado, tomava banho etc. Depois a criança ia para casa, encontrar os irmãos famintos e sem as mínimas condições de higiene. Esses demagogos criaram a escola ideal, mas no tempo errado. Para chegar a ela há um enorme caminho a ser trilhado. Eles sabiam disso, e se não sabiam, estavam no cargo errado. Governar é ter visão de longo alcance.
Queimar etapas, usando o dinheiro público, conhecendo de antemão o resultado, é irresponsabilidade, e, em países civilizados, é crime e os irresponsáveis vão para a cadeia.
Esqueceram-se que o dinheiro absurdo torrado nessa utopias seria útil, sim, se fossem construídas apenas salas de aula. Milhares delas. Quatro paredes simples, uma lousa e uma professora dignamente remunerada. Isto, sim, transformaria a realidade, e não se transformaria nos prédios abandonados que a memória popular esquece rapidamente, por estar acostumada com a festa feita com o dinheiro público, e também simplesmente por não ter a quem reclamar.
Estranhamente essas ideologias passam longe da discussão sobre a reforma do Poder Judiciário. Isso não dá voto. É o imediatismo que conta, o poder pelo poder, as promessas de dinheiro fácil, e o clientelismo exacerbado. Então, estamos colhendo as tempestades cuja sementes plantamos como vento, em cada uma das eleições que entronizam irresponsáveis e demagogos.
Em nenhuma campanha eleitoral li, vi, ou ouvi algo dos candidatos sobre problemas realmente sérios e de longo alcance no tempo.
Por exemplo: em 70 éramos “90 milhões em ação” e a ONU dizia que éramos um país de jovens. 45 anos depois somos 200 milhões, não tão jovens assim. Se a busca da longevidade é um dos objetivos da Medicina, se a busca pelo controle da natalidade é uma realidade bem sucedida, é fácil compreender que a idade média de nossa população está subindo rapidamente. Estamos envelhecendo rápido. Que alguém me responda: O que acontecerá no dia em que houver gente demais aposentada, recebendo benefícios de uma minoria apta para o trabalho? É simples. O sistema previdenciário ruirá inapelavelmente! Sinais disso estão por toda parte. Há alguém fazendo algo a respeito?
Nem nas promessas utópicas mais desvairadas dos candidatos há algo sobre o assunto. Isso não dá voto.
Grandes problemas exigem grandes pessoas para solucioná-los. E como poderá o Brasil gerar pessoas assim, se os candidatos são o fruto de uma sociedade onde ainda falta escola, e o sistema básico de ensino público é uma vergonha, um torto arremedo de um projeto educacional que não é levado a sério pelos políticos com amnésia pós-eleitoral?
Já não bastasse o fato de sermos um país pobre, ainda estamos divididos por blá-blá-blá ideológicos hipócritas, posto que visam beneficiar apenas aos que legislam em causa própria.
Mas o Brasil não é a prima-dona do mundo, e o mundo segue seu curso, atropelando quem não se adapta á modernidade e à agilidade necessárias à própria sobrevivência. Basta observar ao redor para ver que os países que se saíram bem na globalização não foram aqueles que reinventaram seus modelos econômicos, mas os que se livraram de ideologias idiotas. Dúvidas? Dê uma olhada no Chile, no México, na China, ou em Taiwan.
Embarque em aventuras, achando que exercer a presidência de um país é o mesmo que administrar uma central sindical ou um ministério da saúde e veja como acabaram os argentinos, os venezuelanos, os peruanos...apenas para ficarmos em nosso próprio continente.
Conseguimos chegar ao século XXI sem alguém preparado efetivamente para assumir o comando da nação. Qualquer dos candidatos disponíveis não passaria da segunda fase de qualquer programa de seleção para um cargo gerencial de uma empresa de grande porte. Talvez mesmo de médio porte.
Se trabalhassem no serviço privado, onde as cobranças se fazem por atingimento de metas, e não, como disse um dia Ulisses Guimarães, “usando a saliva como combustível”, estes senhores se embaralhariam nas próprias pernas, pois na iniciativa privada o dinheiro tem origem, dono e destino: o lucro. Se não derem lucro, seriam simplesmente demitidos.
Se uma empresa privada exige tanto de seus executivos, o que não esperar do maior cargo executivo do país? Um cargo que exigire extremo equilíbrio, conhecimentos de idiomas - pelo menos o inglês! - para que possa ele próprio discernir sobre o que discute, capacidade de negociação, de aglutinação, de objetividade, de liderança, além, é claro de conhecimentos técnicos específicos, e uma noção clara dos rumos do mundo, e do papel relativo do Brasil nesses rumos.
Esse profissional existe? Existe, sim, mas está regiamente pago para administrar dinheiro privado, porque a administração do dinheiro público não exige tanto preparo. Na coisa pública prejuízos são chamados de “déficits” e as empresas não quebram. Basta que se consiga decorar o número da própria conta bancária e o país onde ela se situa.
Principalmente, esse profissional não seria louco de gastar mais na campanha que o levaria ao emprego, do que ganharia durante o tempo de vigência do contrato – quatro anos!
Que surto de patriotismo é esse que faz uma pessoa que não costumava rasgar dinheiro até se candidatar, subitamente gastar mais na campanha eleitoral do que ganhará de salários durante os quatro anos de seu cargo?
E que causa nobre é essa que faz com que empresas banquem a campanha de algum candidato? Será que um candidato cuja empresa pagou sua campanha, terá lisura para votar uma lei que não beneficie o padrinho?
É tudo muito explícito e muito podre, mas é um show, e o show tem que continuar!
Esses senhores esquecem de que a verdade, se existe, não está nos extremos, mas em algum lugar entre eles. Ainda assim, seus cabelos brancos e a “longa experiência de vida”
Que dizem ter, parece não terem sido suficientes para lhes ensinar o óbvio. Que miséria é a única coisa que, dividindo aumenta!
Lula precisou também de um marketeiro profissional para lhe abrandar os modos. Porém percebe-se no tom de voz e no gestual – linguagem não verbal – que por baixo dessa polidez de ternos finos, está o mesmo populista vendendo utopias - e pior - falsas utopias! É sempre bom lembrar que a frase que o PT usou nos out-doors, no dia seguinte ao lançamento do Plano Real foi: “Parece Real, mas é um pesadelo!”
Ao ser questionado sobre essa mudança de comportamento súbita, ele respondeu: “A carranca antiga é que era postiça. Esse de agora é que sou eu”. Explicou que a antiga postura era intencional e fabricada, que o partido a achava adequada a um líder contestatório como ele. Explicou ainda que seu marketeiro foi o responsável pela mudança, alertando-o de que precisava parecer afável, mostrar a família à nação etc.”
Resta-me três opções: ou acreditar que Lula me enganou quanto ao homem que realmente é; ou acreditar que começou a me enganar agora, ou acreditar que ele finalmente está aprendendo a ser político, ou seja, pessoas para quem “verdade” é só uma palavra sem definição precisa, que varia de acordo com as circunstâncias.
Nunca, que eu me lembre, tivemos tão pouca opção de votos.
Num país de espertos, onde a inteligência é tão pouco valorizada, talvez fosse o caso de eleger os marketeiros. Estes, sim, têm a exata noção do que os eleitores desejam. Mas, espertamente, não se candidatam. Preferem ficar em seu mega-salão de beleza, maquiando personalidades e adequando discursos. Em suas mãos, os todo-poderosos presidenciáveis são apenas meros marionetes. Bonecos de ventrílogo. Não há como não citar Churchil: “Pode-se enganar alguns durante algum tempo, mas não se pode enganar todos o tempo todo”.
E nós, o povo, que trabalhamos, estudamos, e pagamos os impostos que estes senhores administrarão, somos os que perdemos sempre.
Até quando? Como disse Oscar Wilde: “Melhor não profetizar, especialmente sobre o futuro!”
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