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A ARTE DE PERGUNTAR
J.B.XavierVivemos lembrando e repetindo a toda hora, o quanto o mundo se tornou complexo nos últimos tempos. Concordamos que há necessidade de desenvolvermos novas habilidades para que consigamos fazer frente aos desafios que essa complexidade impõe.
Entretanto, na prática, o que fazemos é repetir velhos métodos de raciocínio que são usados há décadas, e em alguns casos, há séculos!
O cantor e compositor Belchior parece ter ido ao cerne da questão. Na música “Como Nossos Pais”, ele faz uma referência clara à geração dos anos 60, que se propunha a revolucionar a cultura e o pensamento mundial. Nesta canção Belchior afirma que “apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.”
Num outro trecho da canção, ele volta a frisar: “Nossos ídolos ainda são os mesmos, e as aparências não enganam não!” e cita sub-repticiamente The Beatles: “Você diz que depois deles não apareceu mais ninguém...” Depois fecha a canção lembrando: “Você pode até dizer que eu estou ‘por fora’, ou então, que estou enganando, mas é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem!”
Nelson Motta, noutra “sacada” magistral sobre a questão, escreveu numa de suas músicas, na voz de Lulu Santos: “Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa; tudo sempre passará!”
Esses dois grandes artistas brasileiros expõe nos versos citados a essência da vida: A Lei da Decadência, segundo a qual, na vida física, tudo nasce, cresce definha e morre. Esta questão é melhor abordada no artigo de nossa autoria, “EM BUSCA DA PERMANÊNCIA que oportunamente publicaremos neste espaço.
Em minha experiência profissional de recolocação de executivos, tenho encontrado muitos candidatos com impressionantes históricos profissionais, que não mais conseguem se recolocar no mercado de trabalho, nos mesmos níveis de remuneração que tinham anteriormente.
Alguns deles atribuem essa dificuldade à idade. Eles acreditam que acima de 40 anos as chances de recolocação diminuem bastante, e, acima dos 50, caem drasticamente. Eles têm razão, mas não pelos motivos que imaginam.
Alguns desses brilhantes profissionais do passado perdem o controle emocional durante as entrevistas de recolocação, quando estamos tentando estabelecer suas potencialidades. Muitos deles desabam inteiramente, vencidos pela pressão do desemprego e da constatação que o mercado já não os requisita como fazia antes.
Muitos, nesses momentos de descontrole emocional, alegam – às vezes entre lágrimas – que não compreendem por que não são mais úteis os conhecimentos que detêm em suas respectivas especialidades. Alegam que possuem décadas de experiência acumulada, e não conseguem entender como é que isso não têm mais valor para o mercado de trabalho. Irritam-se ao ver jovens inexperientes ocupando cargos que eram seus, mesmo sem ter a vivência necessária para compreender todos os aspectos da questão que seus cargos exige.
Nessas ocasiões fica claro a tragédia que se esconde por detrás da aparente simplicidade da questão das mudanças rápidas que se processam ao nosso redor.
Instados a falar sobre suas experiências e habilidades profissionais, eles costumam descrever pormenorizadamente os aspectos mecânicos operacionais das funções que exerciam. Um ex-diretor comercial, falará longamente da importância do estabelecimento de uma “malha de distribuição” eficaz, ou de uma correta administração de preços e margens de lucros. Ele certamente dirá que possui grande vivência na construção de estruturas de distribuição em nível local, nacional e, se for o caso, internacional. Dirá que é importante que o marketing seja dinâmico e perfeitamente sincronizado com a área de vendas. Dirá que conhece todas as ferramentas de marketing, merchandising, malas-direta, etc. e falará das feiras, cursos e simpósios de que já participou.
O mesmo acontecerá com profissionais de outras áreas Eles falarão tudo o que se espera que falem, e conhecerão tudo o que se espera que conheçam. Numa palavra, são pessoas previsíveis.
Paradoxalmente, essa previsibilidade é precisamente sua principal fraqueza. Digo paradoxal porque há algum tempo, quem detinha conhecimento detinha poder. Isto porque quem detinha conhecimento detinha também a capacidade de fornecer respostas às questões que iam surgindo. Então, detinha poder quem sabia responder.
A situação já seria suficientemente grave, se tais inadequabilidades comportamentais se restringissem à esfera profissional. Mas a verdade é que em outras áreas de nossa vida, acontece o mesmo. Na educação de nossos filhos, por exemplo. Parafraseando Belchior, “apesar de termos tido a intenção de sermos diferentes, ainda somos os mesmos e educamos nossos filhos como nossos pais nos educaram.”
Fomos treinados desde a mais tenra infância para responder. É-nos feita uma pergunta, e saímos prontamente em busca da resposta. Entretanto, o advento da democratização do conhecimento, possibilitado pela internet, deu a muitos a capacidade de responder, porque literalmente qualquer assunto pode ser pesquisado em seus milhões de páginas.
O que a internet não deu aos seus navegantes, foi a capacidade de perguntar, e são precisamente as pessoas que têm essa capacidade, as mais úteis atualmente a si mesmas e à sociedade.
Empresas buscam desesperadamente pessoas capazes de traçar cenários, de projetar possibilidades, de enfim, fazerem perguntas que redirecione suas atividades.
Quando criança éramos todos perguntadores insaciáveis! Pequeninos vivíamos amolando os adultos com perguntas sobre tudo o que nos rodeava. Não raro embaraçávamos muitos deles, por não conseguirem responder a algumas questões óbvias que nos rodeavam.
Fomos perdendo essa capacidade de perguntar, à medida em que éramos admoestados pela impertinência em viver perguntando sobre tudo. É que desejávamos saber como funcionava o mundo, como nascíamos; como o céu pairava sobre nossas cabeças sem desabar sobre elas; por que nunca conseguíamos chegar ao horizonte, por mais que caminhássemos em sua direção; por que as coisas caíam se fossem largadas; quem inventou o chinelo; etc. etc. etc.
À medida que fomos crescendo, essa curiosidade crescia também, embora nossas perguntas fossem se tornando mais sofisticadas.
Eu, particularmente, no início da adolescência, lá pelos doze ou treze anos, gostava de embaraçar os adultos com perguntas assim: Se cada um de nós tem dois pais, e cada um deles, por sua vez teve também dois, significa dizer que foram necessárias seis pessoas para que cada um de nós exista! E isso para falar apenas até a geração de nossos avós! Imagine se regredirmos até nossos antepassados longínquos! Então, se é assim, porque a população do mundo aumenta ao invés de diminuir?
Quase todos nós chegamos ao fim da do ciclo de fazer perguntas ao ingressarmos na escola. A escola tradicional nos dava respostas, ao invés de nos ensinar a pensar, e, por conseguinte, a perguntar. Mas muitos de nós, apesar disso, mantém uma centelha de curiosidade à flor da pele, buscando respostas para questões, que à primeira vista parecem insignificantes, mas que, aos poucos, vão amalgamando o ambiente existencial sobre o qual construímos nossas vidas.
Entretanto, não é nada fácil manter-se curioso, porque são raras as pessoas que nos incentivam a sê-lo. Se começarmos a levantar muitos questionamentos, a maioria dos professores e amigos passam a nos considerar visionários, uma espécie de herói de Cervantes, a perseguir moinhos de vento.
Fazer perguntas freqüentes, desestabiliza os velhos métodos de pensamento, exige o repensar, e assim, é, em algum grau, desconfortável.
A despeito da importância de formular boas perguntas, quando da abordagem de alguma questão, noto que, como regra geral, todos se preocupam muito mais com as respostas. Não importa a magnitude nem a importância das questões discutidas, sempre gastamos mais tempo procurando as respostas do que formulando as perguntas. Isso não faz muito sentido, porque na verdade, são as perguntas que orientam as respostas, e são estas que levam à solução. Muitas vezes, se estivermos suficientemente atentos, veremos que as respostas já estão embutidas nas próprias perguntas.
Então, é preferível a resposta errada para a pergunta certa, do que a resposta certa para pergunta errada.
Nosso sistema educacional não ajuda muito, uma vez que premia com notas ou conceitos apenas as respostas, raramente dando espaço para a formulação de novos questionamentos. Pior! As respostas têm que caber dentro dos limites estabelecidos pelo conhecimento convencional.
Para ilustrar, desejo citar um caso acontecido com Waldemar Setzer, professor aposentando da USP.
“Há algum tempo recebi um convite de um colega para servir de árbitro na revisão de uma prova. Tratava-se de avaliar uma questão de Física, que recebera nota zero. O aluno contestava tal conceito, alegando que merecia nota máxima pela resposta, a não ser que houvesse uma "conspiração do sistema" contra ele. Professor e aluno concordaram em submeter o problema a um juiz imparcial, e eu fui o escolhido.
Chegando à sala de meu colega, li a questão da prova, que dizia: "Mostre como pode-se determinar a altura de um edifício bem alto com o auxilio de um barômetro." A resposta do estudante foi a seguinte:
"Leve o barômetro ao alto do edifício e amarre uma corda nele; baixe o barômetro até a calçada e em seguida levante, medindo o comprimento da corda; este comprimento será igual à altura do edifício."
Sem dúvida era uma resposta interessante, e de alguma forma correta, pois satisfazia o enunciado. Por instantes vacilei quanto ao veredicto. Recompondo-me rapidamente, disse ao estudante que ele tinha forte razão para ter nota máxima, já que havia respondido a questão completa e corretamente. Entretanto, se ele tirasse nota máxima, estaria caracterizada uma aprovação em um curso de física, mas a resposta não confirmava isso. Sugeri então que fizesse uma outra tentativa para responder a questão. Não me surpreendi quando meu colega concordou, mas sim quando o estudante resolveu encarar aquilo que eu imaginei lhe seria um bom desafio. Segundo o acordo, ele teria seis minutos para responder à questão, isto após ter sido prevenido de que sua resposta deveria mostrar, necessariamente, algum conhecimento de física.
Passados cinco minutos ele não havia escrito nada, apenas olhava pensativamente para o forro da sala. Perguntei-lhe então se desejava desistir, pois eu tinha um compromisso logo em seguida, e não tinha tempo a perder. Mais surpreso ainda fiquei quando o estudante anunciou que não havia desistido. Na realidade tinha muitas respostas, e estava justamente escolhendo a melhor. Desculpei-me pela interrupção e solicitei que continuasse. No momento seguinte ele escreveu esta resposta: "Vá ao alto do edifico, incline-se numa ponta do telhado e solte o barômetro, medindo o tempo t de queda desde a largada até o toque com o solo. Depois, empregando a fórmula h = (1/2)gt^2 , calcule a altura do edifício."
Perguntei então ao meu colega se ele estava satisfeito com a nova resposta, e se concordava com a minha disposição em conferir praticamente a nota máxima à prova. Concordou, embora sentisse nele uma expressão de descontentamento, talvez inconformismo.
Ao sair da sala lembrei-me que o estudante havia dito ter outras respostas para o problema. Embora já sem tempo, não resisti à curiosidade e perguntei-lhe quais eram essas respostas.
"Ah!, sim," - disse ele - "há muitas maneiras de se achar a altura de um edifício com a ajuda de um barômetro." Perante a minha curiosidade e a já perplexidade de meu colega, o estudante desfilou as seguintes explicações.
Por exemplo, num belo dia de sol pode-se medir a altura do barômetro e o comprimento de sua sombra projetada no solo, bem como a do edifício". Depois, usando-se uma simples regra de três, determina-se à altura do edifício. "Um outro método básico de medida, aliás bastante simples e direto, é subir as escadas do edifício fazendo marcas na parede, espaçadas da altura do barômetro. Contando o número de marcas ter-se a altura do edifício em unidades barométricas". Um método mais complexo seria amarrar o barômetro na ponta de uma corda e balançá-lo como um pêndulo, o que permite a determinação da aceleração da gravidade (g). Repetindo a operação ao nível da rua e no topo do edifício, tem-se dois g's, e a altura do edifício pode, a princípio, ser calculada com base nessa diferença. "Finalmente", - concluiu, - "se não for cobrada uma solução física para o problema, existem outras respostas. Por exemplo, pode-se ir até o edifício e bater à porta do síndico. Quando ele aparecer; diz-se:
"Caro Sr. síndico, trago aqui um ótimo barômetro; se o Sr. me disser a altura deste edifício, eu lhe darei o barômetro de presente.". A esta altura, perguntei ao estudante se ele não sabia qual era a resposta 'esperada' para o problema. Ele admitiu que sabia, mas estava tão farto
com as tentativas dos professores de controlar o seu raciocínio e cobrar respostas prontas com base em informações mecanicamente arroladas, que ele resolveu contestar aquilo que considerava, principalmente, uma farsa.”
Como somos desestimulados de fazer perguntas, as novas gerações se sucedem repetindo as anteriores, e, provavelmente se transformarão nos profissionais de que falo no início deste artigo.
O fato é que filhos desejam pais que tenham visão ampla o bastante para que nela caibam sua sede por mudanças; que tenham vocabulários diversificados o bastante para que possam entender o que eles dizem; que lhes dêem atenção suficiente para não ser necessário mendigá-la com o traficante da porta do colégio.
Eis porque digo a esses antigos profissionais que é preciso que eles respondam para si mesmos à seguinte pergunta: “Eu tenho mesmo 20 ou 30 anos de experiência na função, ou tenho apenas um ou dois anos repedidos 20 ou 30 vezes?
Se estendermos a pergunta a todos nós, como pais, esposos, esposas etc, certamente a resposta pode muito bem explicar o que nos está impedindo de nos adequarmos a esses novos paradigmas.
É por coisas assim que Einstein – que dava aulas particulares de aritmética básica para uma menina, sua vizinha, por ocasião de sua morte - disse um dia:
“Quando entramos na escola, somos um ponto de interrogação, quando saímos dela, somos uma frase pronta!”
* * *