O ÚLTIMO CHAMPAGNE, A FESTA DA VIRADA
JB Xavier
Sentado à mesa, sozinho, ele acariciou o revólver que trazia no bolso do sobretudo.
Há meses ele havia reservado lugar no luxuoso restaurante Mazzano. Não por acaso, mas porque ele recendia ao perfume preferido dela. Muitas vezes ele já agradecera a Domenico Dolce e a Stefano Gabbana pela criação desta essência que já fazia parte da história de sua vida. Seus melhores momentos traziam a fragrância de Dolce & Gabbana. Como eles mesmos costumam dizer:
“Somente mulheres fortes e bem resolvidas usam Dolce & Gabbana. Mulheres que vivem, sobrevivem rodam o mundo mas não esquecem suas raízes!”
Assim ele a enxergava: Uma mulher forte, que havia sustentado sua vida como uma inabalável coluna-mestra.
Escolhera uma mesa quase escondida, a um canto do restaurante, um lugar tranqüilo onde poderia ficar quase a sós com ela. A reserva era sua garantia de que este fim de ano seria especial. Cruzar as taças com ela e sorver o buquê do Perrier Jolêt vintage, era algo que ele planejava há anos. Era o espumante ideal para essa ocasião. Um legítimo Champagne que ele finalmente podia oferecer ao grande amor de sua vida.
Ele chegou um pouco antes da meia-noite. Estava só. Enquanto o manobrista levava seu carro, ele cumprimentou o maitre, que recebia os clientes à porta, e dirigiu-se à mesa que reservara, sem tirar seu pesado sobretudo.
Esta virada de ano seria diferente. Ele prometera isso a si mesmo, embora já não tendo mais certeza de como seria a passagem para o ano novo, ele estava decidido a manter sua promessa.
Pensara muito neste dia, e planejara com muito cuidado. Os mais de vinte anos de convivência tinham desgastado bastante seu casamento, mas ele considerava que ainda era tempo de salvar seu relacionamento com a esposa que ele tanto adorava.
Observou com atenção a mesa arrumada com cuidado e esmero. Estava exatamente como ele solicitara: Uma rosa vermelha fora colocada num vaso de cristal alto e fino como um dedo.
Com calma absoluta e gestos estudados, ele apanhou um pequeno estojo no bolso, e dele retirou um anel de diamantes belíssimo, e com extrema cautela, fê-lo descer pelo gargalo do vaso, até o ponto onde o bulbo se alargava. E ali ficou a linda jóia a adornar o cristal, refletindo os lampejos vermelhos das pétalas da rosa.
Ao lado do vaso, ele depositou um envelope que continha o último de seus poemas, composto especialmente para ela, Acima do envelope ele colocou um pequenino frasco de Dolce & Gabbana e uma passagem de um cruzeiro de navio pelo Caribe, outro sonho que sonharam juntos tantas vezes, mas que a corrida desenfreada em busca do sucesso adiara por tanto tempo.
Sonhos adiados. Momentos congelados no tempo. Intenções...Apenas intenções...
Agora era esperar por ela.
A escolha do champagne fora feita com cuidado, porque em sua lua-de-mel eles haviam degustado Moët & Chandon, mais adequado ao bolso magro de um rapaz cujas únicas credenciais a apresentar ao seu grande amor eram seus sonhos, a vontade férrea de vencer na vida e a energia que estava disposto a investir nessa empreitada.
Ele a amara instantaneamente, no primeiro momento que a vira. Ela descia pela rampa de dois lances que ligava o térreo ao primeiro andar do colégio onde estudavam.
Era linda, pensou ele, esboçando um leve sorriso. Usava uma mini saia xadrez, com motivos pretos e vermelhos, que, a um palmo acima do joelho, deixava à mostra suas coxas grossas, roliças e sensuais.
Ele estava subindo, e ela, descendo. Os dois cruzaram um pelo outro na junção dos dois lances da rampa e seus olhares pousaram um sobre o outro por breves instantes que, ele bem sabia, o unira a ela para sempre.
Deste momento em diante ela se transformou em sua obsessão. Os dias transcorriam lentos, as horas não escoavam e cada minuto distante dela, doíam-lhe como agulhas espetadas em sua alma.
De alguma maneira ela se interessou por ele, embora ele nunca tenha entendido bem como isso aconteceu. Ele era um rapaz pobre, que vivia só, com o pai. A morte recente de sua mãe e a solidão de seu pai, o transformaram em poeta.
Era na poesia que ele deixava fluir seus sonhos, ao contrário dos amigos da turma, que levavam vidas inócuas e sem objetivo. Não! Ele tinha um objetivo na vida. Sabia que o sucesso o aguardava em uma curva qualquer do caminho do futuro. Não tinha dúvidas quanto a isso. Talvez tenha sido essa certeza, e o amor contido em seus versos que a conquistaram, considerou.
Fez muitos versos a ela. Versos de amor eterno, versos de perdão, versos tristes e versos de alegria, que ele redescobrira desde que a conhecera.
Sim, pensou, ela era a sua vida. Nem mais nem menos. Sem ela ele não conseguiria viver. Nunca imaginou sua vida sem a presença dela.
Um garçom aproximou-se e convidou-o a lhe entregar o sobretudo, mas ele fez um sinal com as mãos recusando o convite. Não estava uma noite quente, é verdade, mas o ar condicionado do ambiente dispensava perfeitamente os casacos. Polidamente, o garçom afastou-se, intrigado com o uso do sobretudo tão incômodo.
Ele levantou o olhar e olhou através do vidro para a avenida lá fora. Alguns foguetes coloridos já começavam a espocar no céu e um clima de euforia aos poucos ia se espraiando pela cidade, e invadindo também o restaurante.
Olhou para o relógio: Vinte e três horas e trinta minutos. “Será que ela não vem? Será que ela mudou seus planos na última hora?”
* * *
Vinte e três horas e trinta minutos. Naquele exato momento o avião que trazia sua filha tocou a pista do aeroporto. Ela discutira com o namorado, porque não admitia que ele quisesse ser apresentado ao seu pai. Talvez tivesse razão, afinal de contas. Seu pai era um homem pouco tolerante com certos aspectos da vida, e anacrônico com outros. Mas ela desejava tirar logo esse peso dos ombros e resolver tudo de uma vez. O telefonema que recebera da mãe mudara tudo e agora estava ansiosa para ir ao encontro dela.
Arrependida por ter viajado, ela olhou para o relógio e viu que tinha pouco tempo, se quisesse passar ainda a virada de ano com a mãe. Uma certeza, porém a perturbava: Seu pai não retornaria de viagem. Este seria um ano-novo sem sua presença.
Suspirando ansiosa, ela viu o avião taxiando em direção à área de desembarque.
* * *
Sentado diante da cadeira vazia do outro lado da mesa, ele sorriu ao pensar que poderiam voltar a viver de amor, como nos bons tempos de recém casados. Há alguns dias, quando retornara de sua última viagem de negócios, ele trouxera o anel, que comprara numa butique classe “A” no país que visitara, bem como o Dolce & Gabbana , única forma de garantir sua autenticidade.
Chegara em casa tarde da noite, ansioso, por ter decidido fazer as pazes com ela. Brigaram quando ele partiu e durante a viagem inteira ele se arrependeu de tê-la magoado. Ela era a sua vida, e ele agora decidira que viveria apenas para ela. O sucesso que conseguira já lhe bastava, e nada mais justificava suas ausências e algumas aventuras que tivera com outras mulheres.
Era ela o seu sonho, e nenhuma outra conseguira nem por um momento substituí-la em seu coração. Por fim afastava-as enfastiado e retornava aos braços de seu amor.
Mas desta vez era diferente. A briga fora séria. Por isso ele havia decidido viver apenas para ela desta virada de ano em diante. Seu filho iria para a casa da namorada, na cidade vizinha, e sua filha rompera com o namorado, que ele ainda não conhecia, e viajaria para a casa de amigas no outro extremo do país. Eles estariam sós, finalmente.
Durante a briga, ele dissera que passaria a virada do ano viajando, mas arrependeu-se disso e voltou uma semana mais cedo. Ele jamais passara esta data longe da família.
Em seu retorno, chegou num vôo da madrugada, e por ter chegado tão tarde, dirigiu-se diretamente ao seu quarto. Estava trancado. Ele já se acostumara com os medos noturnos dela na casa vazia, e para não acordá-la ou assustá-la, decidiu dormir no sofá da sala de visitas.
O pensamento voltou a se fixar no anel e na rosa à sua frente. De seu lugar à mesa, ele podia ver, no outro extremo do restaurante, uma mesa reservada e uma garrafa de Moët & Chandon no centro da toalha vermelha.
Um sorriso triste brincou em seus lábios. Aquela garrafa lhe trazia lembranças muito queridas. Provavelmente tratava-se de alguém loucamente enamorado tentando impressionar seu amor, como ele fizera com ela. No íntimo ele torcia por quem quer que fosse sentar àquela mesa, porque conhecia o gosto forte do amor. Trazia-o na alma, vívido, pulsante, vibrante, tal como o percebera pela primeira vez.
O tempo recuou novamente e ele lembrou que quando recostou a cabeça no travesseiro, escutou um leve chiado no telefone que estava a poucos centímetros dela. Prestou atenção. Eram vozes conversando. Percebeu que o fone não estava no gancho, sinal de que a conversa deveria ter começado ali. Pegou no fone para recolocá-lo no gancho, certo de que era seu filho nos longos telefonemas que fazia à namorada. Ele planejara passar a virada do ano na cidade dela e certamente estavam combinando os detalhes. Mas foi a voz de outro homem que ele ouviu: “No Mazzano, então? Você acha que ainda há esperança para mim? O fato de eu ser como sou fará diferença para você?”
Ele aproximou o fone do ouvido a tempo de ouvir, atônito, a esposa responder: “Você sabe que não! Que idéia! Eu aceito você do jeito que você é! Não se preocupe...Já acertei tudo...Vai dar tudo certo...Eu sempre desejei passar a virada do ano no Mazzano , mas meu marido nunca me levou...Tem certeza de que este restaurante não é muito caro?”
“Vocês valem muito mais que isso!” Ele ouviu a voz masculina dizer.
Deste ponto em diante, ele já não tinha mais certeza do que havia acontecido. Saiu para a noite no mesmo instante, e foi para um hotel, completamente aturdido. Sequer os dias seguintes ele tinha certeza de ter vivido. Apenas via-se agora nesta mesa de restaurante, a girar o pequenino frasco entre os dedos.
Então, subitamente, a fragrância do Dolce & Gabbana passou por ele, esvoaçante como o lufar das asas de um anjo. Ele a viu caminhando à frente de um jovem negro de trinta e poucos anos.
Seus olhos abriram-se desmesuradamente, e um grito morreu em sua garganta.
“Um negro? Como assim, um negro? Ela me traiu com um negro?”
Amor e ódio misturaram-se em seu interior, em labaredas que o consumiam. Confuso, ele deixou-se levar pela esfuziante e encantadora figura de seu grande amor. Ela estava bela em seu vestido longo, onde cintilavam reluzentes brilhos. Estava belíssima, em seus quarenta e cinco anos. Era alta, esbelta, esguia, elegante, e quando entregou seu casaco ao garçom seus ombros nus saltaram à luz do ambiente como cascatas de vida, emergindo do vestido preto cintilante, de alças finas que mais ainda ressaltavam suas formas. Ei-la como ele mais gostava: Exuberante em sua serena maturidade.
O jovem sentara-se à sua frente. Estava elegantemente trajado, tinha traços belos e porte atlético. “Mas é um negro!”
Ele não tinha mais certeza de nada. Imagens embaralhavam-se em sua mente e por um instante, pensou já ter visto aquele homem em algum lugar...
A aparente calma que o mantinha até aquele momento, começou a dar lugar a uma onda vaga de revolta, e o ódio lentamente foi sobrepujando a ternura. Insidiosamente, um tremor começou a crescer dentro dele, como um terremoto contido a custo pela vontade, que ameaçava desintegrar-se completamente.
Estalou o dedo e fez sinal a um garçom para que lhe trouxesse a encomenda.
Em instantes o Perrier Jolêt estava em sua mesa, repousando sobre uma camada de gelo moído misturado com sal, num elegante frapé. Atado ao gargalo da garrafa, estava um termômetro, indicando-lhe que a temperatura de consumo deveria estar entre de 4º a 6º, nunca inferior
Ele olhou para o copo “flut” alto, esguio e passou o dedo em sua borda, delicadamente, como se acariciasse os seios de sua amada.
Olhou novamente para o relógio: Vinte e três horas e cinqüenta e cinco minutos. Foguetes espocavam lá fora, num barulho ensurdecedor, mesmo com a proteção das paredes de vidro.
* * *
“Faltam cinco minutos! Disse seu filho abraçando a namorada e olhando para o céu polvilhado de luzes dos fogos de artifício, da pequena cidadezinha.“Traga o champagne!” Espero que mamãe e papai estejam bem, onde quer que estejam!´É o primeiro ano-novo que passo longe deles...”
* * *
“A Flor e o Anel”, pensou ele com os olhos postos no anel que rebrilhava no vaso. Daria um belo poema... Depois seus olhos pousaram no envelope amarrado com uma bela fita rosa. Agora já não havia mais necessidades de poemas. A esperança vazava de sua alma como água de um cesto de palha. O que restou de seu interior foi um cenário retorcido, fantasmagórico, lúgubre e silencioso.
Voltou a olhar para a mesa à distância, e viu sua esposa segurar as mãos do jovem negro, olhando-o diretamente nos olhos, enquanto o maravilhoso sorriso que um dia o conquistara derramou-se de seus lábios como uma torrente de luz.
Amava-a perdidamente. Amava-a desesperadamente. Agora mais que nunca, porque a perdera para sempre.
Com uma calma que vinha da desesperança, ele enfiou a mão num dos bolsos do sobretudo e empalmou a coronha do pequeno revólver “Snubby” que trouxera consigo.
* * *
“Faltam cinco minutos!” Pensou ela, irritada com a eternidade que levou para pegar suas malas. Na tentativa de fazer o táxi rodar mais rápido, adiantou uma parte do pagamento ao motorista. Seu coração pulava de ansiedade. Do aeroporto até o Mazzano havia uma boa distância. Torcia para que conseguisse chegar antes da meia-noite. Por nada desse mundo desejaria que sua mãe passasse a virada do ano só, em uma mesa de restaurante. Se ela ligara, lhe pedindo que voltasse, é porque deveria ser importante tê-la ao lado. Talvez seu pai a tivesse ofendido mais uma vez, em mais uma das brigas que tiveram. Ela amava o namorado do fundo de seu coração, mas considerava que cometera um erro ao viajar para tão longe por causa de uma simples discussão com o ele. Sua família era o mais importante. Pensou nessa palavra e uma ponta de tristeza invadiu seu coração. Seria tudo diferente, se seu pai amasse de verdade sua mãe. E se a amasse de verdade também, ela já teria tido coragem de lhe apresentar o namorado. Mas ela tinha medo de sua reação. Muito medo. Depois alegrou-se ao pensar que talvez seus pais tivessem feito as pazes e estivessem esperando por ela para festejar a passagem de ano. “Tolice! Papai nem está na cidade”.
As luzes das ruas quase vazias passavam vertiginosamente pelas janelas do automóvel, enquanto o espocar de foguetes aumentava sempre mais.
O táxi contornou a rotatória do obelisco e passou defronte ao lago, onde as árvores com troncos iluminados refletidos na águas, formavam um cenário de contos de fada. O motorista acelerou e passou sob um viaduto, ganhando finalmente a imensa avenida quase vazia. Agora havia apenas um quilômetro entre eles e o Mazzano.
* * *
O peso do revólver pareceu-lhe demasiado, embora fosse uma arma pequenina e ele estivesse acostumado a lidar com ela no clube de tiro em que praticava.
Cuidadosamente, ele colocou o sobretudo sobre a mesa, mantendo ainda a mão no bolso, empunhando a arma delicadamente, como fazia nas competições de tiro que participava. Este revólver já lhe dera muitas alegrias, muitos prêmios, muitos troféus, e considerava que era justo que fosse ele a corrigir a rota que sua vida tomara. “Uma arma não é nada sem uma mente que a comande. Eu sou a verdadeira arma!” Este pensamento crispou-lhe o rosto, e por um momento tudo lhe pareceu um sonho. Estaria tudo isso acontecendo mesmo? Não estaria ele tendo um pesadelo num quarto de hotel, numa distante cidade?
Seu olhar ergueu-se do anel até à mesa à distância. “Não é um sonho. Meu Deus, não é um sonho!”
Os olhares de todos estavam fixos na avenida, onde através da parede envidraçada era possível ver o foguetório que já tomava conta do mundo. Ele olhou para o gigantesco relógio digital sobre um prédio não muito distante: Vinte e três horas e cinqüenta e oito minutos.
Sem pressa, ele retirou o Champanhe de seu berço de gelo e liberou a rolha de sua prisão de arame. Depois, apoiando-se no cotovelo, ele apontou o revólver escondido sob o sobretudo para o rapaz negro. Para um atirador treinado como ele, aquele seria um tiro quase à queima-roupa, sem possibilidade de erro. Com a outra mão ele segurava a garrafa pelo gargalo, enquanto o polegar forçava a retirada da rolha.
Enquanto apontava a arma, passou-lhe pelo pensamento que poucos homens resistiriam ao encanto dela. Agora era aquele negro, mas poderia ser qualquer um a quem ela lançasse seu magnífico sorriso. “Seu magnífico sorriso, era ele o veneno que enlouquecia os homens! Se eu quiser ter paz, é preciso que esse sorriso deixe de existir...”
A mão moveu-se lentamente e parou, fazendo uma nova mira.
* * *
Na pequenina cidade, o garotão abraçou sua namorada no momento exato da zero hora.
“Faça um desejo!” Disse ela feliz em seus braços.
“Que meus pais resolvam seus problemas! É o que mais desejo!
E Beijou-a demoradamente.
* * *
Ela saiu correndo do táxi, dizendo ao motorista que deixasse suas malas com um dos garagistas, e entrou no restaurante no exato instante em que o relógio no topo do edifício zerou todos algarismos. Uma apoteose ensurdecedora de foguetes e explosões coloridas iluminaram o céu, enquanto cascatas de luz despencavam do alto dos edifícios ao longo de toda a avenida.
Ao entrar, ela passou próximo a um nicho onde viu de relance um homem debruçado na mesa segurando seu sobretudo, tendo numa das mãos uma garrafa de champanhe prestes a estourar. Passou depois quase a correr por outras mesas onde as pessoas se abraçavam, envolvidos na alegria e na esperança do ano que começava. Sem se deter, ela varreu com o olhar todo o ambiente e viu a mãe que acenava para ela, do outro extremo do salão. Apenas alguns passos separavam as duas mulheres, que corriam uma para a outra, de braços abertos e um amplo sorriso estampado no rosto.
* * *
Duas grossas lágrimas escorreram por suas faces. Não, ele não poderia extinguir aquele sorriso. “Esse sorriso é minha própria vida!”
Então o cano da arma pousou em seu próprio peito, exatamente sobre seu coração. Se não podia extingui-lo também não valia a pena viver sem ele.
Seu polegar esquerdo forçou a rolha da garrafa. Este seria seu último champagne.
Com o polegar direito ele destravou a arma e olhou fixamente para a beleza da esposa. “Como pudemos ter chegado a este ponto?”
Então, subitamente, uma jovem atravessou correndo o salão. Num relance ele a reconheceu. “Minha filha! O que ela faz aqui, Santo Deus?
Seu dedo aliviou o gatilho e a arma baixou lentamente até que seu braço pendeu inerte sobre a mesa.
Ele apanhou o vaso, o anel e o envelope e levantando-se, foi se aproximando lentamente das duas mulheres, serpenteando entre todos os que se abraçavam em euforia.
Quando elas se encontraram, atiraram-se nos braços uma da outra, enquanto o jovem negro aguardava de pé, também com os braços abertos.
Logo após abraçar a mãe, ela atirou-se nos braços dele, quase em desespero.
“ Pensei que você não viria”.
“Era o único vôo que ainda tinha lugar. Ainda bem que a cidade está calma. Viemos rápido do aeroporto até aqui”. Depois, virando-se para a mãe:
“E o papai? Ele não voltou de viagem? Eu quero apresentar a ele o grande amor de minha vida! E ainda abraçando o namorado:
“Duvido que ele vá implicar com sua cor!”
O jovem a abraçou e sorrindo e lhe fez um sinal com o queixo. Ela voltou-se a tempo de ver seu pai se aproximando sem ser visto por trás de sua mãe. Viu-o abraçá-la ternamente, envolvendo-a completamente em seus braços, e enquanto lhe beijava os cabelos, aspirando profundamente seu perfume, ofertava-lhe o vaso e o envelope.
Lágrimas de alegria brilharam nos olhos dos dois casais.
JB Xavier
Enviado por JB Xavier em 26/12/2019