JB Xavier

Uma viagem ao mundo mágico das artes!  A journey into the magical world of  the arts!

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JB Xavier

CONSIDERAÇÕES SOBRE ARTES MARCIAIS
JB Xavier
 
Tenho investido muito de meu tempo em conjecturas sobre a prática de artes marciais. Refiro-me a elas genericamente, porque não desejo comentar sobre estilos, escolas ou mestres.  Para os fins do vou deixar escrito, isto não tem a menor relevância. Antes, desejo traçar considerações sobre a prática de artes marciais em si e sua interiorização em nosso “eu”. Refiro-me à interiorização em escala e profundidade tal que a torne nossa segunda natureza.
É impossível pensarmos em “profundidade” e “escala”, sem que surja automaticamente a palavra “intensidade”. Por essa razão, desejo regatar aqui dois conceitos que, segundo noto, estão quase esquecidos entre os praticantes de artes marciais:
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Quase todo praticante de artes marciais, tem como meta chegar à faixa preta. Nada errado quanto a isso, se ele entendesse que esta faixa de cor preta na cintura nada mais é do que o reconhecimento, após alguns anos – em média de quatro a cinco - de que ele passou pelas práticas basais desta arte, e que portanto, está pronto a dar início ao aprendizado do real significado de “ARTES” marciais. E qual esse significado? É dar a mesma importância à palavra “Arte” que se dá à palavra “Marcial”
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Quase 100% da atenção de um praticante – principiante ou avançado – prende-se ao termo “Marcial”, que por definição remete à guerra, ao bélico e ao confronto. À palavra “Arte”, quase nenhuma atenção é dada. Não sou psicólogo, mas os mais de cinquenta anos de prática da Arte Marcial Karatê-Do – mas poderia ser outra qualquer – juntamente com o fato de eu ser também artista plástico – pintor, escultor e desenhista – me autorizam a conjecturar sobre as razões pelas quais isso acontece.  
 
Na verdade a explicação é bem simples, porém encerra um paradoxo: Embora tenham que conviver juntas, quanto mais uma evolui, mais a outra desaparece. É necessário muita determinação para manter esses dois termos operando juntos de maneira harmoniosa, porque, em tese, eles são de naturezas opostas. Enquanto a prática do aspecto “marcial” vai elevando a autoconfiança, e por consequência a ousadia, o aspecto “arte” vai sendo esquecido por remeter ao oposto, ao seja, à serenidade e à compreensão holística do que nos cerca. Em tese, esses dois termos não podem conviver juntos. Eis porque é tão raro vê-los presentes nos praticantes, mesmo naqueles que já atingiram estágios avançados. E por que isso acontece? Primeiro porque a esmagadora maioria dos instrutores tampouco domina ambos os conceitos, enfatizando quase sempre a prática do aspecto marcial. Segundo porque a vaidade humana, se não dominada, a tudo se sobrepõe, principalmente à humildade.
 
Assim, o desenvolvimento do aspecto marcial vai inflando o ego do praticante à medida que ele evolui tecnicamente, até atingir o ponto de servir apenas como exibicionismo em competições que, a rigor, deveriam servir, isto sim, para a aferição das próprias limitações. Assim, nos moldes atuais, as competições servem apenas para rotular os competidores em vencedores e perdedores. Isto parece algo sem consequências mais sérias, mas não é. Quem perde, não raro, sente-se humilhado ou envergonhado com a derrota e diante disso ele pode ter uma das três reações: 1- Voltar à academia e treinar ainda mais duro o aspecto marcial, buscando corrigir seus erros e aperfeiçoar suas potencialidades, o que o afastará ainda mais do aspecto Arte. 2- Desistir simplesmente da prática por considerar que nunca chegará aos níveis técnicos requeridos para vencer uma competição. 3-Reconhecer suas próprias limitações, sem conflitos internos e continuar sua prática buscando crescer como Ser Humano.
 
Quando eu ainda ministrava Karatê na Hórus - Centro de Artes Marciais e Ginástica, em Florianópolis, no início da década de 1980, lembro-me de haver um aluno na faixa verde, portanto a meio caminho da faixa preta, que não participava de competições, alegando que poderia avariar seriamente o trabalho de correção dentária que havia feito e que lhe custara muito caro. Ele é hoje muito conhecido na cidade, de maneira que em respeito a ele, não citarei seu nome. Nunca o obriguei a competir, embora lhe dissesse que um dia ele teria que vencer seu medo. Numa ocasião em que promovi uma competição com uma academia amiga, de outro estilo, na mesma cidade, para minha surpresa, ele pediu que o colocasse na lista de competidores. Fiquei contente com a decisão dele, e após ter colocado seu nome na lista, eu lhe disse que não havia necessidade de que ele participasse, porque de fato havia o risco, embora pequeno, de danificar seus dentes. Ele ficou surpreso e insistiu em participar, mas eu lhe disse que a decisão de competir assinalava sua vitória sobre si mesmo, e isso já era o bastante. O resto era apenas risco desnecessário. Quem já passou por isso, em qualquer atividade da vida, sabe que nada pode se comparar ao doce gosto da vitória sobre si mesmo.     
 
Voltando ao ponto. O que define exatamente um “artista marcial”? Eu costumo definir um artista marcial como aquele que compreendeu, assimilou e interiorizou a máxima proferida por Lao Tse: “Quem vence os outros é forte, quem vence a si mesmo é poderoso”.  Voltando às competições: pelo que ficou dito acima elas então não deveriam existir? Ao contrário! Elas precisam existir. Apenas os competidores deveriam ser orientados no sentido de que a verdadeira luta numa competição não é contra o adversário, mas contra si mesmo! E se for assim, não importa o resultado, porque ao vencer ou perder ele pode -  ou não - ter vencido a si mesmo. Somente ele terá essa resposta, e assim saberá quanto ainda falta para vencer a si próprio.          
 
Não pretendo discorrer sobre a prática do aspecto marcial, porque ela está disponível em qualquer lugar em que se pratique artes marciais. Quero focar no aspecto artístico da questão, este sim, raro de encontrar.
 
Arte significa externar alguma habilidade de ordem estética através de uma grande variedade de linguagens, sendo as atividades físicas, uma delas, tal qual a dança ou as marciais. Arte pressupõe também criatividade que expresse emoções e ideias, buscando um significado único e diferente para cada artista. Mas como ser original se todos praticam os mesmos katas e os mesmos kihons? Praticamente todos os estilos de artes marciais afirmam que a finalidade de um kata é fazer com que o praticante execute os movimentos de ataque e defesa como se estivesse em uma luta real, onde deve demonstrar vigor físico, explosão, coragem e confiança. Essa simulação é a demonstração de segurança onde o carateca está em uma situação de perigo. Note que não há nenhuma menção à Arte na definição. Somente no estilo Shotokan, existem 26 katas, dos mais simples aos mais avançados. Num cenário assim, como ser um artista original?
 
Costumo dizer nas palestras que ministro nas exposições de artes plásticas que promovo, que um artista deve ser original e  buscar a manifestação de alguma habilidade especial que faça parte de sua natureza. Arte não pode ser imitada. Ele também precisa promover o desencadeamento de algum tipo de prazer ou beleza naquilo que está executando, bem como demonstrar harmonia e fluidez entre seu corpo e a execução do que está fazendo. Mesmo nas artes marciais onde os movimentos são aparentemente engessados, não é apenas desejável, mas necessário a transmissão de um senso de novidade e ineditismo, onde seja exteriorizada, ainda que por breves vislumbres, a expressão da realidade interior do executante. É nisso que consiste a verdadeira comunicação da forma da linguagem corporal. Ao executar um kata dessa maneira, o executante deixa claro o valor e a importância que ele dá ao que está fazendo, e isto provoca a excitação da imaginação e da fantasia nos que o estão assistindo. Ao executar um kata, o carateca precisa fazê-lo à sua própria maneira, e transformar isso numa experiência única, a cada vez que o executa. Caso contrário ele estará apenas executando uma sequência decorada, previsível e monótona de movimentos físicos. Observe os atletas olímpicos ou os balés clássicos, por exemplo “O Lago dos Cisnes”. Ouça a mesma música clássica sob diferentes maestros. Os exercícios são os mesmos, a coreografia e as partituras são as mesmas. Ainda assim, você perceberá a alma de cada um dos artistas naquilo que estão executando.
Graça, originalidade, beleza e emoção, esta é a essência da arte. Demonstrar isso, acrescentando o vigor indomável do guerreiro – esse é o verdadeiro desafio do Artista Marcial.    -
JB Xavier
Enviado por JB Xavier em 06/01/2021
Alterado em 07/01/2021


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