CONSIDERAÇÕES SOBRE ARTES MARCIAIS 2
O verdadeiro artista marcial, aquele que incorpora em suas práticas de combate a gentileza para com seu semelhante, aquele que não se sente superior por saber algo além da maioria, não restringe a prática das Artes Marciais às aulas e treinamento das academias nas quais pratica. O verdadeiro artista marcial é aquele que, uma vez incorporadas à sua personalidade a gentileza, a humildade e a cordialidade, as leva para o cotidiano de sua vida, onde, através dessas qualidades criará elos fortes e duradouros com quem quer que encontre pela vida.
Talvez o maior obstáculo ao desenvolvimento espiritual, seja a cegueira para a impermanência da vida. Ao negar-se a pensar na morte - que nossa cultura ocidental nos prega o tempo todo - o homem está condenado a pensar que é eterno, o que o leva à cobiça desmesurada que corroerá sua vida e o tornará um ser danoso à sociedade.
E como escapar dessa prática mental à qual estamos expostos desde que nascemos? Uma das muitas opções disponíveis - a religiosidade entre elas - é a prática das Artes Marciais. É através dela que quebraremos nossos paradigmas mais arraigados. É com a evolução e o domínio de nosso corpo físico que um dia chegarmos ao controle de nosso espírito, se não perdermos de vista a finitude da vida. É a consciência de saber que talvez estejamos vivendo hoje nosso último dia, que nos fará buscar aplicar nossas descobertas aqui, e agora!
A maioria das pessoas que buscam e freqüentam um dojô, tem em mente ou preparar-se para defender a si próprio no tormentoso cotidiano em que vivem, ou se aperfeiçoarem e atingir níveis elevados de desenvolvimento marcial.
Entretanto, o dojô é muito mais do que uma simples área de treinamento e deve ser respeitado. Por isso, os praticantes fazem uma reverência antes de adentrar a ele, pois é ali que acontecerá a fantástica descoberta das próprias limitações, e conseqüentemente o infinito que o aguarda para se desenvolver. Isso não é pouco! Talvez mesmo seja a maior e mais completa experiência de vida que um praticante possa ter. O dojô é o templo onde ocorrerá o milagre do auto descobrimento e transformação.
Da prática honesta, paciente e incansável das Artes Marciais um dia surgirão no praticante duas qualidade que transformarão sua vida: A sabedoria e a serenidade. Essas qualidades não devem ser buscadas, pois elas se instalarão no praticante que treinar abnegada e constantemente, sem que ele próprio as perceba.
Então, ao ir expandindo sua consciência do mundo que o cerca e da finitude que o rodeia, sua sabedoria trará a autêntica consciência da própria ignorância. Saber que nada sabe, desanima o homem vulgar, mas incita a curiosidade pelo saber do verdadeiro artista marcial que busca a serenidade, porque é ela que acalma o espírito diante desta descoberta.
Da serenidade flui a gentileza, pois o artista marcial sabe que se este for, talvez, seu último dia, então que ele seja pleno de felicidade que a gentileza permite. É a gentileza que tornará o artista marcial um ser humano especial. Cultivar a serenidade, portanto é tão importante quanto desenvolver a arte do combate.
A princípio, aparentemente contraditória às práticas guerreiras, a arte da gentileza é muito mais difícil de ser adquirida, porque significa possuir equilíbrio entre o físico e o espiritual. Basta um rápido olhar ao mundo em que vivemos para constatar que a violenta competição pela sobrevivência entre as pessoas, as tornam desconfiadas, violentas e. desequilibradas.
Eis porque os guerreiros samurais do Japão medieval praticavam o Ikebana, os arranjos florais, orientados e assentados em profundas filosofias de vida.
Já não existem os gerreiros samurais japoneses, mas seu modo de vida perdura nos dias atais, praticados por artistas marciais que aderem a este caminho, em busca de conquistar calma, concentração e autoconfiança, entre outros méritos desenvolvidos pelos samurais.
A vida nos testará e selecionará, e ao fim, abrirá o universo não àqueles que a avaliam pelo número de vezes em que, vergados pelas adversidades, caem de joelhos, mas sim pelo número de vezes em que voltam a se por de pé!
Enquanto estive à frente da Hórus Karatê-Dô, procurei desenvolver nos praticantes a busca pelo auto conhecimento, com aulas teóricas onde discutíamos o comportamento de um artista marcial no mundo que o rodeia. Muitas dessas aulas eram orientadas por textos e/ou poemas que suscitavam esse assunto, como o que consta abaixo.
ODE À VITÓRIA
JB Xavier
Ergue-Te! Não deixes que teu joelho toque o solo
Dobrando-se pela ferina humilhação.
Ergue-te! E se um dia voltares a te ajoelhar,
Que seja pelo amor, em devoção!
Ergue-te! Levanta teu olhar, ara e semeia,
E solta teu amor aos ventos de uma canção.
Ergue-te! Porque quando ele vier não deve te encontrar,
Com os joelhos ao chão.
Ergue-te! Teus são os ventos, os sorrisos e as promessas
Teu é o sol, a lua e as estrelas!
Ergue-te! Pois se baixares teu olhar ao ímpio,
Morrerás sem vê-las!
Ergue-te! Não te oprimas pela derrota,
Nem te orgulhes por vencer uma disputa.
Ergue-te, que o verdadeiro vencedor
Vence sem luta!
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