AS ÁGUAS DO RIO GRANDE DO SUL
JB Xavier
Maio de 2024
Desejo ardentemente que, durante a festa
Que se espalha pela maioria dos lares,
Faça-se um momento de silêncio por aqueles
Que encontraram a tragédia nas águas do Rio Grande do Sul
E em outros tantos lugares pelo mundo,
E que vertem lágrimas sofridas pela ausência indesejada.
Filhos que já não verão suas mães nunca mais,
Mães que aguardam em desespero pelo filho
Que sequer recuperados das águas foram...
Famílias dilaceradas,
Vidas estraçalhadas
Na véspera de um dos dias
Onde se homenageia o maior de todos os seres: As mães!
Estejam em guerras envolvidos, ou nos descaminhos da vida,
Perdidos, ou na sarjeta da calçada,
Lembremo-nos que em cada um desses andarilhos,
Pulsa saudoso, o coração de um filho!
Não desejo entristecer a festa do filho abençoado,
Daquele que ainda tem este anjo ao seu lado,
E em sua face pode ainda depositar um beijo,
Antes, desejo que os matizes dessa saudade atroz,
da perda incompreensível e irremediável
Seja justamente o esteio sobre o qual
Os filhos e as mães separados pela tragédia
Preservem sua memória
E reconstruam sua própria história.
Desejo que a dor dos filhos que têm apenas uma foto dela – ou nem isso –
Cale em nós, e faça com que valorizemos as partidas,
Abracemo-nos nas chegadas
E nos lembremos do efêmero da vida.
E quando o mundo inteiro canta as harmonias do viver,
E do conviver com um anjo em forma de mulher;
Quando a alegria transborda pelo mundo,
E o contentamento extravasa da alma,
Quando hinos se elevam dos confins da terra
Fazendo-se orações,
Quando mil risos de felicidade envolvem os corações;
Quando a mesa farta invoca a festa dessa união,
E da alma humana enfim, brota a essência do amor,
Talvez sejam estes versos os únicos amigos
Que confortarão aqueles que assistem a esta festa maior
Com uma dor pungente a lhes torturar o espírito.
Pela ausência desses anjos – mães e filhos - que subitamente se foram...
Que estes versos estejam próximos à criança que a perdeu,
Ao menor abandonado,
Cujos braços nunca mais a abraçarão,
Ou nunca receberam o abraço abençoado
Nem jamais terão quem o chame “meu filho” ...
Meu pensamento está com a criança embrutecida
Cujo único pecado foi ser trazido à vida,
E em cujas faces rola o pranto
Que queima pela vergonha deste abandono...
Crianças que nunca ouviram um acalanto...
Crianças que passarão o Dia das Mães
No colo de um estranho, em pranto...
Levo meus versos a elas, que nunca mais
Ouvirão uma canção cantada pela mãe querida,
Ou que nunca tiveram um leito para seu sono,
E que, como cães sem dono, machucadas,
Seguem pela vida, de vão em vão,
De marquise em marquise, acuadas...
Que estes versos sejam o escudo, a protege-las do inferno
Da falta de amor e de orientação...
Que eles ecoem nos céus, e por seus ecos,
Deus fortaleça ao pais e mães
Que seguem na terrível batalha sem tréguas
Pelas madrugadas, sem descanso, encharcadas,
Possam elas também, por Deus, serem olhadas...
Que meus versos estejam ao lado dos que, ardendo de amor,
Estão distantes,
Que desejando ardentemente ofertar uma flor,
Ofertam-na ao túmulo, na saudade atroz...
Que eles atinjam todos nós,
Que temos a felicidade como algo natural,
Que só ouvimos, que só vemos e sentimos
Neste dia especial...
Que eles amenizem, suavizem e retornem ao coração das mães
Que ainda podem abraçar seus filhos,
E amainem a dor da tragédia do Rio Grande do Sul
Que esses versos sirvam de alimento
Ao espírito dos que têm fome de amor, e que subitamente
Estão sós, tendo por companhia
As lágrimas e a dor...
Não somente a dor pungente
De ser por um filho esquecida,
Mas a dor de olhar para as águas barrentas e sinistras
E saber que em algum lugar daquela vastidão
Seu filho ou sua filha ainda está desaparecida...