JB Xavier

Uma viagem ao mundo mágico das artes!  A journey into the magical world of  the arts!

Textos

A GÍRIA NO IDIOMA PORTUGUÊS

JB Xavier

 

Se você acha que é uma pessoa de bons princípios, ou se acha que sua mulher é muito feia, ou que seu homem é confiável, ou se, para falar com um amigo, você telefona a ele, você vive no mundo da semântica pura.

Mas, se você acha que é um cara papo firme ou se acha que sua mulher é uma mocréia descolada, ou que seu homem é tipo assim, firmeza, ou se, para falar com um amigo, você bate um fio para ele, você está no mundo da gíria.

No Brasil, existem várias maneiras de nos expressarmos, ou de mandarmos o recado. Todas bastante diferentes entre si, e ainda assim, todas em português. No entanto, como nosso país tem dimensões continentais, é natural que existam vários dialetos diferentes entre si, nas várias regiões do país.

A maioria desses dialetos é composta por gírias ou delas se originou.

Não há regras para esses idiomas bastardos, filhos do incesto entre o idioma puro, severamente gerenciado por regras rígidas e vigiado por sisudos literatos, e a relativa inutilidade de regras gramaticais quando a comunicação é verbal, e agilidade e a velocidade são o mais importante.

Dois desses literatos dicionaristas, Antônio Houaiss (1915–1999) e Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1910–1989), divergiam conceitualmente sobre a definição do idioma português. Enquanto Aurélio de Holanda defendia a unicidade do idioma, com regras que valessem para todos os locais onde ele fosse falado, Houaiss defendia a ideia do idioma mutante, e que, em função disso, seriam corretas todas as formas de suas manifestações regionais.

Não há meio termo entre esses dois conceitos, porque são excludentes entre si. Cada um, em seu ponto de vista, está certo. Se, por um lado, o conceito de Houaiss fosse adotado, a comunicação escrita teria sérios problemas causados pela falta de padronização. Em função disso, o conceito defendido por Aurélio de Holanda foi o adotado, mas disso advêm outros dois problemas:

  1. Como idiomas são códigos de comunicação em constante interação e mutação, não se adaptam por muito tempo às regras que tentam padronizá-los.
  2. As regras estão sempre defasadas em relação ao idioma, ou vice-versa, se preferirem, e por isso precisam de tempos em tempos ser reformadas para abrangerem as mudanças acontecidas na prática.

O fato é que a gíria está presente em praticamente toda comunicação verbal entre os povos, porque agiliza a troca de mensagens e a compreensão das ideias. Ela é um fenômeno da linguagem que se caracteriza pela expressão muito mais mnemônica que literal, motivo pelo qual não pode ser satisfatoriamente traduzida para outros idiomas.

Geralmente, as diferentes camadas sociais as utilizam por razões também diferentes. Enquanto as camadas sociais melhor educadas as utilizam com mais parcimônia, restringindo-se a algumas expressões geralmente espirituosas, as camadas sociais mais baixas as utilizam como seu segundo idioma, e em muitos casos nunca chegam a falar o português propriamente dito.

Estima-se que existam no Brasil cerca de 50 mil palavras usadas como gíria, e a cada dia novos termos são acrescentados à lista e outras tantas vão caindo em desuso.

Esse desuso geralmente se dá por novos códigos que são criados por novas gerações de pessoas, e assim como algumas palavras normais são esquecidas, as gírias são também abandonadas, de maneira que é possível intuir a geração à qual pertence uma pessoa, pelo tipo de gíria que ela utiliza.

Então, mano, se ligue na maneira como você se expressa verbalmente, porque ela muitas vezes diz mais que o substrato do que você está expressando, tá ligado?

Você, bicho, que tem mais de 50 anos, e que foi supimpa pra dedéu em sua juventude, você provavelmente pertenceu à geração xuxú beleza e deve ter mandado brasa ou vivido alguma situação que não deu pé.

Claro que você pode não estar entendendo patavinas, mas não fique grilado, isso é fichinha perto do que você ainda vai ler. Isto porque estamos usando gírias do arco da velha neste trecho do texto. Mais adiante você poderá cair na real com as gírias da hora.

O importante é você não ser cafona nem careta, não bancar a dondoca e ir na onda dessas novas patotas que fazem você parecer quadrado.

Esqueça aquele traje transado do passado, e vista um jeans nervoso do presente. Esqueça que você foi um jovem de lascar e admita que você se transformou num tiozinho maneiro dos dias atuais. Oxigênio, meu rei! Gírias novas! Esta é a única maneira de você continuar botando pra quebrar no mundo!

Você era um cara pra frente, apesar do tutu curto e sempre na pindaíba, era um cara jóia, mas viver na de agora é fogo! Você, que costumava estourar a boca do balão, que tinha sempre várias chinas gamadas por você, de repente, com o passar dos anos viu todas darem no pé, como se você não fosse mais o chapa boa pinta que sempre foi, como se você não conseguisse mais botar pra quebrar.

Pode ser que você não dê bulhufas para este texto e banque o joão sem braço. Ok, mas depois não vá chorar sobre o leite derramado quando entrar pelo cano e ficar a ver navios e não ser mais considerado o barra limpa que era. Essa de se atualizar é dureza, meu: bobeou, dançou!

Portanto, amigo, xispa por esse mundaréu de lero-lero linguístico, porque na hora do pega pra capar em que você estiver enrolado numa galera estranha, não aparecerá ninguém para ajudar, nem que a vaca tussa!

A cambada de hoje é dura na queda e isolam mesmo quem banca o amigo da onça, e se você está matando cachorro a grito, belezura, mas aviso desde já que a parada é dura! Hoje ninguém dá colher de chá pra ninguém. Ou você se atualiza ou o melhor é pôr sebo nas canelas.

Pombas! Ou você pinta nesse barato batuta ou vai dar bode em sua vida logo que você perceber que está por fora do que rola e que já se transformou num chato de galocha.

Na verdade, gírias são uma maneira de expressão bacana à beça e a ideia é não deixar você borocoxô enquanto lê.

Mas, se você ainda estiver na fita, provavelmente estará usando as gírias atuais. Talvez mesmo embaralhando as gírias de seu tempo e as de agora, porque não? Talvez a bagaça que você chamava de seu amor já seja muito coroa para você, ou talvez o gato com o qual você quer ficar não seja aquele pão que você imaginou.

De qualquer maneira, o que você não pode é ficar azarando e fazendo a cabeça deles, porque eles podem se ligar e perceber que o que sentiam por você, melou.

Ok, você talvez tope essa parada e não perca a linha nem pipoque, mas não bancar o mané com um fora de uma popozuda não é muito tranquilo.

No entanto, quem topar tentar, poderá sair zero-bala da situação. O importante é não deixar os mano ficarem de cara, achando que você é um pela-saco que não se toca, não saca e também não vaza da área.

O melhor mesmo é ser chegado e, se puder, antenado em sua tribo, porque nela você pode botar fé sem precisar ficar grilado e ainda podendo dar o mó rolê no pé sujo da esquina, onde poderá ficar numa boa com os broder.

E aí, maluco? E agora? Vai dizer que gíria não é um negócio show de bola? Com ela você nunca deixa furo numa conversa, porque não precisa se amarrar ao idioma formal, nem amarelar, porque sua cuca nunca vai fundir em busca de palavras-cabeça e você ainda pode bombar junto à galera.

Agora se liga, mermão, a bucha é quando neguinho quer falar no sapatinho e de tanto furar o idioma, já não sabe mais como fazer isso de um jeito tri legal, maneiro, que possa ser sacado pelos caras de outras tribos. Nesse caso, o excesso de gírias pode ser tão pé no saco quanto a falta total delas. Mas, na boa, acredite, é possível estar nas duas fitas sem ser babaca e sem esquecer nem de uma nem de outra.

Por exemplo, eu posso dizer que você é uma pessoa que absolutamente não se importa com os outros, que é muito desagradável, irresponsável e que só diz bobagens, mas você entenderá melhor o que penso de você se eu o chamar de bundão.

Em contrapartida, eu e você podemos estar numa balada e, após você chapar o coco e tentar azarar umas minas, me chamar de arroz. Como vou saber que você está me dizendo que eu nunca fico com ninguém?

Ok, concordo, tchê. Este é um assunto embaçado mesmo, e só os tiozinhos que já viveram o suficiente já viram gírias nascerem e morrerem. Mas mesmo os nóia de pouca idade já podem ir percebendo que não se pode esquecer o idioma tradicional, sob pena de se perder o poder de expressão que ele oferece.

Mas báh, índio véio, a decisão de usar gíria apenas, ou não usá-la, sempre será uma decisão pessoal. De minha parte, penso que os mano gente fina sempre escolherão o fifty-fifty. É o mais sensato a fazer, mas é um trampo lascado conseguir isso.

Gírias não têm compromisso com o idioma. A gíria é uma linguagem informal composta por palavras ricas em metáforas. E por serem quase sempre metafóricas, são também frequentemente jocosas, mas muito ágeis para expor a ideia que pretendem. Em contrapartida, são mais efêmeras que as palavras tradicionais que tentam substituir.

As gírias costumam identificar grupos sociais, que buscam estabelecer diferenças na maneira de se expressar verbalmente e por isso elas não seguem regras gramaticais. Seu processo de nascimento quase sempre é involuntário, sendo a sua aceitação, e consequente uso, que determina seu sucesso e duração. Frequentemente, as gírias são mais simples e mais mnemônicas nas descrições que fazem, e para isso vale quase tudo, desde truncar palavras já conhecidas até sufixações jocosas, passando por acréscimo de sons, sílabas e códigos particulares do grupo.

Seja como fator de coesão entre grupos tão distintos como bandidos, ou simplesmente entre aqueles que exercem a mesma profissão, ou arte, ou outra atividade qualquer, a gíria pode ser tão preponderante para esses grupos que podem inclusive não ser compreendidas por outros grupos.

Ainda assim, o que caracteriza uma gíria é o fato de ela ser um modismo de certa forma dispensável. Uma gíria, uma vez saída de circulação, não faz falta, a não ser talvez, pelo burlesco. Se ela persistir para além de certos limites de tempo, poderá ser incorporada ao idioma e perderá sua força descritiva.

Então, meu, se você acha que está queimando o filme em suas comunicações verbais, deixa a sua ficha cair, para de pagar mico, e venha para o mundo irado da comunicação mnemônica. Não fique aí pagando um sapo, feito um mala sem alça. Venha pirar na batatinha e se mantenha antenado no mundo animal da comunicação intuitiva.

Você pode até dar sorte e pintar uma azaração com alguma baranga que se disponha a uma xavecada. E com um pouco mais de sorte, pode pintar um filé para algum rolo! Por que não? Afinal, você estará muito mais objetivo em sua exposição de ideias. A única coisa que pode acontecer são seus amigos de velha data, já pilhados, caírem matando em cima de você.

Aí você inverte o jogo e lhes diz que não está mais afim de deglutir batráquio, que se eles não protegerem o filhote de equino da precipitação pluviométrica, se continuarem aumentando o volume de sua bolsa escrotal, e não pararem com essa prosopopeia flácida para acalentar bovinos, você vai derrubar, com a extremidade do membro inferior, o suporte sustentáculo de uma das unidades de proteção solar do acampamento.

Certamente eles, que são entendidos em semântica, olharão para você com cara de interrogação.

E você, candidamente, explicará a eles que não está mais disposto a engolir sapo, que se eles não tirarem o cavalinho da chuva e não pararem de encher o saco com essa conversa mole para boi dormir, você irá chutar o pau da barraca.

É isso, broder. A galera agradece!

JB Xavier
Enviado por JB Xavier em 06/07/2024


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