O SAGRADO DIREITO DE PENSAR - 2
O SAGRADO DIREITO DE PENSAR - 2
Quando escrevi um ensaio com esse título há um mês, recebi alguns e-mails de apoio e muitos outros denunciando formas de abuso de poder etc motivados pela nossa falta de contestação. Este ensaio pode ser visitado em:
http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/779504
Diante desses e-mails, subitamente me veio a noção da responsabilidade de quem escreve. Juntamente com ela veio a sensação de impotência por saber que quem pode mudar a situação, não lê ensaios desse gênero, e se o lê, sorri e balança a cabeça, certamente penalizado com o autor que diligentemente bate na velha e gasta tecla da moralidade pública.
Certa noite, quando criança, minha mãe leu para mim, uma fábula que narrava a história de um ancião, que, no leito de morte, reuniu os filhos e lhes pediu que lhe trouxessem alguns gravetos. Ele então pediu aos filhos que os fossem quebrando um a um, o que os rapazes fizeram sem entender as intenções do moribundo. O velho então pediu que lhe trouxessem novos gravetos. Desta vez ele os reuniu num feixe, e pediu a cada um dos rapazes que tentasse quebrá-los. Nenhum deles conseguiu. E o velho pai, deixou então sua última e mais valiosa lição: Sem união, vocês serão fracos e qualquer um poderá vencê-los. Unidos, serão fortes e resistirão às mais duras provas.
Diante disso o leitor poderá me perguntar: Como unir um país inteiro para cobrar das autoridades o correto desempenho de suas funções?
Respondo: Não há como! A não ser, é claro, pelas vias da revolução. Esta, entretanto, como tento demonstrar no ensaio anterior, é burra por natureza, porque reúne muitos sob o comando de poucos, e quando todos pensam a mesma coisa, há alguém pensando por todos.
Exercite o pensamento, amigo leitor, porque geralmente transitamos nos extremos das coisas - sejam conceitos ou meras opiniões. Assim, buscamos uma resposta única para as perguntas que fazemos. Mas quem disse que as perguntas têm uma só resposta? Na verdade elas têm várias, se continuarmos a procurá-las. A esse respeito, aconselho a leitura de um artigo de minha autoria de nome “A Arte de Perguntar”. Ele pode ser Visitado em
http://www.recantodasletras.com.br/artigos/58627
Para início de conversa, o conceito de união de que fala a fábula que lhes contei, pode não ser realizável em larga escala, especialmente num país continental como o Brasil, mas pode perfeitamente ser implementado no seio da família. Foi exatamente o que fiz com meus três filhos, com resultado absolutamente positivo.
Então, o que precisamos fazer é parar de pensar em escala macro, e pensar em escala micro, porque é lá, no micro universo familiar que se desenvolve o vírus da falta de princípios que acabará por infectar toda a sociedade.
Mas, voltará a me perguntar o leitor: Como então mudar as coisas, se a união do povo não é possível – nem aconselhável?
Aconselho o leitor a pensar no título deste ensaio. Pense! Pensar é um direito sagrado inalienável que jamais devemos delegar a outrem. Que ninguém pense por nós. Nossos acertos e nossos erros precisam ser conseqüência de nosso próprio pensar. Que ninguém pense por nós, porque esta é a última fronteira que nos separa da imbecilidade.
Se pensarmos melhor, veremos que é do pensar que nascem as soluções, e não dos mantras políticos que tanto ouvimos e acabamos por repetir à exaustão, até que seu sentido se esvazie e eles não sejam mais que respostas prontas que temos para certas questões sobre as quais simplesmente desistimos de pensar.
“Precisamos mudar este país”, costuma dizer o Presidente da República. Uma frase genérica e vazia que já não causa nenhum efeito. “Só uma revolução colocaria as coisas nos devidos lugares” repetem os mais afoitos. Repetida incansável e frequentemente, o esvaziamento desse conceito esconde o fato de que uma revolução pressupõe a quebra dos direitos individuais que invariavelmente conduzem à anarquia onde, por ironia, se sairão melhor exatamente aqueles cujos princípios morais e éticos já eram falhos no regime que derrubaram, precisamente por não se seguirem no novo regime que fundaram.
Mas, se o leitor pensar melhor na fábula que narrei acima, verá que há nela uma lição menos óbvia. Inverta o raciocínio: Se a união fortalece, a desunião enfraquece. Quando falo de “desunião” falo de educar as crianças atuais para que, quando chegarem ao poder, não se unam imbecilmente ao coro estúpido dos que concordam sem análise prévia.
Paradoxalmente, essa ”desunião” futura de opiniões, só é possível se seguirmos ao pé da letra a lição ensinada pelo ancião da fábula acima.
Possivelmente, ao ler o parágrafo anterior, haverá quem diga que isso demoraria muito para causar alguma transformação social. A estes eu lembraria a fábula das casas construídas pelos três porquinhos, para resistir aos ataques do lobo mau. E se acharem infantil demais, apesar da lição grandiosa que ela contém, cito então Confúcio: “É melhor acender uma vela que maldizer a escuridão.” Porque, como diz um provérbio hebraico: “Dêem a seus filhos raízes, depois, dêem-lhes asas”.
É precisamente a pressa que nos impede de iniciarmos um processo verdadeiro de transformação da sociedade. Sem fatalismos hipócritas, se não compreendermos que nossa geração – para efeito do que está sendo tratado neste ensaio – está perdida, e que provavelmente as duas próximas também, então só resta pensar no longo prazo, cujo início é agora! Mas quem, em sã consciência, sem essa cultura, é capaz de investir nas próximas gerações?
O construtor tudo fará para burlar as regras vigentes para construir seus arranha-céus a 10 metros da praia, mesmo sabendo que isso entupirá de fezes a praia que seus filhos freqüentarão. O fabricante desenvolve uma nova e atraente embalagem de plástico que a natureza levará séculos para destruir, pouco se importando se seus filhos viverão sobre pilhas de lixo. Os governos continuarão a depositar lixo atômico que a natureza levará dezenas de milênios para absorver, pouco se importando como será a humanidade no futuro. Os governos continuarão a construir presídios que aos poucos perdem força como fator inibidor da criminalidade, porque ou são tão protegidos pelos direitos humanos que os tornam suportáveis, ou são latrinas que se transformaram naquilo que tentam evitar: A escola básica da criminalidade.
Pergunte, amigo leitor, se algum candidato apresenta alguns desses problemas como base de suas campanhas eleitorais. Obviamente que não, porque são exatamente esses agentes corruptores que os financiam! Eis porque não acredito em solução de curto prazo.
O leitor poderá ainda argumentar: Estamos numa democracia! Podemos resolver isso rapidamente pelo voto! É só aprendermos a votar! Não posso evitar rir quando ouço isso. Nem vamos discutir a o tamanho da complexidade de ensinar um povo subdesenvolvido a votar. Não haveria espaço aqui para isso. Vamos apenas imaginar que, se o povo aprendesse realmente a votar, e de repente, numa eleição qualquer, retirasse os atuas governantes do poder, em quem votariam? Devo lembrá-los de que para cada candidato vitorioso, existem pelos menos 20 derrotados, apenas esperando sua vez de abocanhar sua fatia do erário público. Esses 20 também venderam a alma ao diabo para fazerem suas campanhas eleitorais. E se dentre eles houver alguns realmente bem intencionados, ou serão expurgados do sistema, ou anulados por ele, de forma a se tornarem carta fora do baralho no grande jogo de poder e corrupção que envolve a administração da coisa pública no regime democrático, via de regra em todos os países, que o adotam – uns mais outros menos.
Henry Kissinger, no governo Nixon, talvez o mais poderoso Secretário de Estado Americano que já ocupou este cargo, nos Estados Unidos, disse certa vez:
“O Poder é o maior afrodisíaco que existe!”
Então, se é que há solução, penso, ela deve estar em algum ponto do futuro, aguardando que entrem em ação os princípios que plantamos agora em nossas crianças.
Estou dizendo alguma novidade? Absolutamente! Pitágoras disse: “Eduquem as crianças e não será preciso punir os homens!”
Recorro a Confúcio novamente. Ele foi direto ao âmago da questão:
“Os antigos que desejavam dar exemplo da mais alta virtude no império, em primeiro lugar governavam bem suas propriedades. Como desejavam governar bem suas propriedades, primeiro dirigiam bem suas famílias. Como desejavam dirigir bem suas famílias, primeiro cultivavam seus eus. Como desejavam cultivar seus eus, primeiro retificavam seus corações. Como desejavam retificar seus corações, primeiro procuravam ser sinceros em seus pensamentos. Como desejavam ser sinceros em seus pensamentos, primeiro procuravam ampliar ao máximo seus conhecimentos. Essa ampliação dos conhecimentos depende da pesquisa das coisas. Se as coisas forem investigadas, o conhecimento se torna completo. Se o conhecimento for completo, os pensamentos serão sinceros. Se os pensamentos forem sinceros, os corações serão retificados. Se os corações forem retificados, os eus serão cultivados. Se os eus forem cultivados, as famílias serão bem dirigidas. Se as famílias forem bem dirigidas, as propriedades serão bem governadas. Se as propriedades forem bem governadas, todo o império estará feliz e tranqüilo.”
Por enquanto, teremos que conviver com o desânimo que invade todo aquele que tenta manter seus princípios num mundo corrompido e inconseqüente, como nos demonstra a frase de Ciro Pellicano.
Em seu livro “A Última Coisa que Eu Pretendo Fazer na Vida É Morrer”, publicado em 2002, este publicitário paulista resume bem o desalento da inversão de valores vigente hoje no Brasil:
"Foi meu pai quem me ensinou o valor da honestidade. Devo a ele tudo o que eu não tenho.”
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JB Xavier
Enviado por JB Xavier em 20/01/2008
Alterado em 20/01/2008