JB Xavier

Uma viagem ao mundo mágico das artes!  A journey into the magical world of  the arts!

Textos

AMOR EM POESIA
AMOR EM POESIA
(Inspirado num conto de Millor Fernandes)

Lá no fundo de um grosso livro de poemas, um verso, um dia, apaixonou-se perdidamente por uma estrofe. Foi amor instantâneo! Perdidamente apaixonado, examinou-lhe as rimas angelicais, a métrica perfeita, as palavras rebuscadas, o conteúdo consistente. E a beleza das sincronias lhe fez compreender que já não era mais dono de seu destino. Naquele momento ele entendeu que desse dia em diante havia um elo entre ele e ela para sempre.
Com uma coragem que nunca pensou ter, ele um dia aproximou-se timidamente, e nervoso disse quase num sussurro:
- Bom dia...Como você se chama?
A Estrofe dirigiu-lhe então o olhar mais doce que alguém já lhe havia lançado, examinando-o da primeira à última letra. Admirada com sua consistência, bom gosto e harmonia, ela percebeu que sem ele ela simplesmente não existiria. Pelo menos não assim, linda, elegante e harmoniosa como era. E como era observadora, logo percebeu a inocência do verso e quão nervoso ele estava. Mesmo assim ela o considerou uma figura interessante...
- Como me chamo? – disse finalmente – Meu nome é complicado. Chamo-me Registro de Sentimentos Arrebatados, mas pode me chamar pelo apelido: Poesia!
- E o verso ficou assim, sob o encanto da beleza da Poesia, pensando em como poderia enfeitá-la ainda mais docemente para que ela pudesse brilhar em toda a sua esfuziante beleza.
E quando descobriram que um não poderia existir sem o outro, casaram-se. Convidaram para padrinhos o Fonema e a Interjeição, e desse casamento nasceram anos de felicidade plena, de comunhão de sentimentos, e o verso fez de sua vida, uma ida aos confins da imaginação, enfeitando a estrofe e dando-lhe vida. Ela, por seu tempo, lhe dava segurança, fornecia-lhe sentido, inseria-o num universo que nunca conhecera. Dessa união nasceram dois poemas muito bonitinhos, e uma quadrinha que era a alegria de todos.
Até que um dia, em que tudo vira monotonia, surgiu o Soneto, trazendo consigo a autoridade e as glórias de um passado distante, a beleza gélida de sua métrica perfeita e os arranjos únicos de sua construção.
A estrofe, impressionada com a pose do Soneto, sentiu o calor da paixão invadir-lhe o interior, e, em nome do amor, desejou ardentemente fazer parte daquele mundo diferente, altivo, ainda que decadente. Ela e o Verso já não formavam mais o casal perfeito, eram agora uma confusão de sentimentos mal explicados, de lembranças tristes e alegrias ressentidas de um passado feliz.
Disso resultou que o Verso, triste e sem vida, sem uma estrofe para pertencer, sozinho e carente de sentido, desapareceu na imaginação de algum poeta descuidado, e a estrofe seguiu feliz em sua felicidade fugaz, tentando dar brilho ao Soneto, já um pouco fora de moda. E tudo que era sujeira virou moralidade, como aliás, em qualquer sociedade.

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JB Xavier
Enviado por JB Xavier em 11/04/2008
Alterado em 11/04/2008


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